sábado, 3 de setembro de 2011

Apontamentos do texto de César Bolaños. A economia da comunicação e da cultura In. Indústria cultural, informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000. p. 161 – 211.


Introdução

O presente texto apresenta uma síntese da referida obra. Não procuramos seguir a ordem dos subtítulos do original; preferimos, conforme corria a leitura, definir, explicitar e comentar as idéias e os conceitos-chaves. O texto pode ser divido em dois momentos: 1) os clássicos da escola francesa de economia da comunicação e da cultura em torno do GRESEC; 2) a renovação teórica da GRESEC, a partir de autores como Ramón Zalo e Alain Hercovici, este último com forte influência da sociologia de Pierre Bourdieu.

O GRESEC

Em meados dos anos 70 do século XX, o GRESEC (Groupe de Recherches sur les Enjeux de la Communication), sediado na Universidade Stendhal de Grenoble, iniciou um debate acerca do impacto das então emergentes indústrias culturais sobre a economia, a sociedade e a cultura européia. [1] A proposta do grupo era ler tais indústrias a partir da perspectiva de uma economia crítica da comunicação e da cultura, uma alternativa frente às teorias econômicas vigentes à época. [2] De fato, neste período, era difícil encontrar no cenário europeu, sobretudo na França, uma abordagem sobre as indústrias culturais que não fossem aquelas das análises neoclássicas, as quais reduziam o estudo desta indústria ao problema de como ajustar uma necessidade cultural predeterminada à “maximização das satisfações de ofertantes e demandantes” deste bem (p. 163). Ainda, os estudos que davam referência ao GRESEC, neste período, estavam presos a um impasse: por um lado faltava uma explicação para a formação de necessidades culturais; por outro, permaneciam sob a ótica do mercado, ou seja, concebiam a “demanda autônoma” como pressuposta. [3]
A guinada do GRESEC, no entanto, foi dada a partir do deslocamento de uma abordagem do mercado para a produção (ao estilo marxiano). Nesta mudança de foco duas aberturas foram possíveis, advindo daí objetos de estudo: “as funções da Indústria Cultural no processo de acumulação de capital” e “a reprodução ideológica do sistema” (p. 164).
Embora os estudos sobre a produção fossem importantes (pois dava um grande passo para além das análises neoclássicas) o GRESEC permanecia muito “setorial”, no âmbito da cultura, sendo “incapaz de considerar o conjunto das determinações políticas, econômicas e sociais” (p. 163) para o entendimento do papel da Indústria Cultural no processo de produção e reprodução do capital. Esta limitação, diz Bolaños, aparece apenas timidamente no final do livro dos autores-participantes do GRESEC; ali eles afirmam que o estudo da produção cultural não pode se confinar num campo particular, mas tem de se integrar (ampliar) a outros, sobretudo porque o produto cultural participa do processo de reprodução do capital como um todo: “[...] a especificidade das produções culturais só interessa na medida em que se relacionam às leis gerais que regem esta última [o capital]” (p. 164).

O fundamento da GRESEC
Tendo como objeto o “estudo dos processos de produção e de valorização do capital investido no campo da cultura” (p. 165), o primeiro argumento do GRESEC para renovação do campo analítico econômico foi a revisão do aparato teórico vigente (a análise marxiana do processo de produção e circulação), haja vista a especificidade do produto ou da mercadoria cultural. Estas mercadorias não eram, como as anteriores, bens e serviços ordinários, já que possuíam uma relação de valor de troca diferentes, produzidas a partir de um trabalho “indiretamente produtivo” (um terceiro trabalho, além dos conhecidos “trabalho produtivo” e “trabalho improdutivo” referidos por Marx) Este trabalho, segundo Bolaños, “não concorre à produção mas à realização do valor, que inclui todo o trabalho gasto na integração dos produtos culturais no processo de circulação.” (p. 165).
A especificidade do trabalho cultural, portanto, é a sua heterogeneidade; não apenas de trabalho (como vimos), mas também de modos produtivos. Sobre a heterogeneidade do primeiro, Bolaños afirma que sua produção faz interagir processos distintos: “o da concepção da obra por um ou mais trabalhadores culturais e o de reprodução material dessa obra original” (p. 166). [4] Sobre o segundo, o autor fala da “coexistência de relações de produção de natureza distintas convivendo lado a lado o capital monopolista mais concentrado, também multinacional, o pequeno capital e a produção artesanal” (p. 170). Esta condição, afirma Bolaños, não é apenas algo curioso da produção cultural, e que tenderia a desaparecer à medida que se desenvolvesse o aparato técnico de produção e reprodução da cultura, mas é a exigência própria deste sistema de capitalização do bem cultural: “é elemento constitutivo das estruturas de valorização dos produtos culturais no capitalismo monopolista” (p. 170 – 171).
A concepção de uma obra (que Bolaños havia indicado como produzido por dois ou mais trabalhadores) tem no arcaico seu modo exclusivo de produção: uma pintura, por exemplo, necessita da execução de técnicas, materiais/suportes (no caso, a tela e as tintas) e, acima de tudo, da inspiração do artista (o famoso felling, insight, etc.); esta última é o que podemos entender como elemento arcaico da produção – pode variar o período histórico ou a técnica empregada (que varia segundo as aquisições e os estoques de conhecimento da sociedade), mas ainda assim, o que irá conferir valor ao objeto artístico/cultural é este elemento arcaico. Esta mesma lógica pode ser estendida aos objetos estéticos eruditos – a música clássica – ou aos apetrechos pop destinados ao consumo rápido e efêmero. Observa-se que é somente o arcaico, e nenhum outro, que confere valor à mercadoria. No âmbito da circulação deste produto (mercadoria), no entanto, aí sim o capital monopolista irá atuar, conduzindo para a realização e valorização do bem cultural no mercado. Neste sistema, portanto, o capitalista monopolizador da mercadoria cultural irá investir “prioritariamente na distribuição, deixando o setor não capitalista gerar a concepção-realização dos produtos assumindo este a seu próprio risco as condições de transformação dos valores de uso em valores de troca” (p. 171)

Culture de flot
Ou “cultura de onda”. Trata-se de uma expressão criada por Patrice Flichy (grupo francês de Grenoble), para marcar a distinção entre a indústria literária e cinematográfica (denominada Indústria da Edição) daquela alavancada pela televisão (e que traz a reboque outras indústrias como a radiofônica e a imprensa). [5] Tal distinção se faz importante num momento de grande profusão de bens culturais, tais como filmes, livros, discos e outros, servindo para pontuar as diferenças entre os tipos industriais produtores de mercadorias culturais, já que dentro do que entendemos genericamente por Indústria Cultural há vários tipos de produtos que acabam definindo modos diferentes de produção e circulação de mercadorias.
No caso específico da cultura da onda, quatro características lhes são fundamentais: “a continuidade da programação, a grande amplitude da difusão, a obsolescência instantânea do produto e a intervenção do Estado na organização da indústria” (p. 172). Estas características servirão não apenas para definir o modo específico de produção e consumo de mercadorias culturais (produtos televisivos), mas também, e posteriormente, como parâmetros para a análise de outras formas econômicas de produção da cultura industrial, as quais concorrem, neste mesmo período, com a cultura da onda.
Para Bolaños, o objetivo da produção da cultura de onda é alimentar continuamente uma grade de programação com produtos diferentes (capazes de não dispersar a audiência) tendo sempre em vista a fidelidade do consumidor. [6] Para isso é necessária uma produção de caráter industrial (e assalariada para algumas funções) a fim de sustentar este sistema produtivo. Uma prática, observada por Bolaños, nos primórdios desta produção foi a redifusão (e multidifusão) de programas produzidos e distribuídos por grandes empresas (sob a lei do monopólio), prática esta que irá aproximar-se da indústria cinematográfica, porém, unicamente no que se refere à administração do tempo produtivo (produção e circulação do produto).
“[...] dadas as dificuldades das emissoras locais e regionais em preencher com produção própria a sua programação, há tendência à concentração e centralização da produção e da distribuição. Ora, uma estrutura de mercado desse tipo, com forte concentração na produção e na distribuição e enorme variedade de demandantes (TVs hertzianas locais, nacionais e regionais, TVs a cabo, e via satélite, videodistribuidoras, videolocadoras, salas de projeção), reforça e facilita o planejamento e a racionalização da distribuição que as primeiras adotam para reduzir os riscos decorrentes da aleatoriedade da realização para maximizar a exploração comercial de cada obra, levando ao aumento da redifusão e multidifusão” (p. 175)
Como o monopólio da produção e da distribuição do bem cultural encontra-se a cargo, obviamente, das grandes empresas e conglomerados econômicos, passa-se a vigorar uma nova atividade industrial, uma atividade de caráter econômico-administrativo. Trata-se da racionalização aplicada ao processo circulatório e produtivo da mercadoria cultural. Por um lado, esta atividade se volta para a distribuição do produto (por exemplo, a logística do transporte para extinção do tempo morto). Por outro lado, na tentativa de tornar flexível o processo produtivo, uma vez que nem sempre o aumento da demanda é acompanhado de investimento em “mão-de-obra” – capital variável. [7]

TV – o paradigma da Indústria Cultural
É importante demarcar aqui os contornos industriais da culture de flot justamente para observar como este modelo vai ganhando espaço no mercado, capitalizando a cultura, a tal ponto de ser considerada como paradigma de toda a indústria cultural. Isso porque o aspecto monopolista/oligopolista da culture de flot, como dissemos, constitui o modelo econômico-administrativo mais interessante para a realização do capital.
“[...] essa característica da televisão tende a ser a regra de funcionamento para toda a Indústria Cultural, um setor cada vez mais centralizado e racionalizado, tanto nas estruturas de produção quanto de distribuição, o que a torna não apenas o meio dominante, mas também o modelo de evolução de todo o setor da cultura, a única verdadeira indústria cultural, paradigma para todas as outras” (p. 186).
Tal controle passa a definir um imperativo: não oferecer riscos ao consumo e permitir sempre o lucro. [8] A exemplo do star system (quer comentaremos na sequência) passa-se a constituir aí uma estrutura de produção articulada, com pouco ou nenhum espaço para improvisos e experimentações (inovações); menos ainda para os espaços mortos (improdutivos), exceto aqueles extremamente necessários para gerar valor. Mais ainda, com a televisão, a técnica muda de estatuto “deixando o campo restrito das técnicas de distribuição ou de reprodução mecânica, como havia sido observado originalmente pelos teóricos de Frankfurt, para tornar-se parte integrante de um processo global de produção” (p. 186).
A mudança mais significativa, no entanto, é a industrialização da TV: assalariamento dos profissionais, produção controlada e direcionada, definição de mercados, segmentação do consumo, etc. Esta transição é importante e marca, nos anos 70, a passagem da TV como meio político-cultural (sob forte tutela do Estado) para uma função predominantemente econômica (com a introdução de publicidade e o acirramento da concorrência entre as emissoras).

Star System
A estrutura armada pela culture de flot, além de sua vocação industrial, como falamos acima, que articula processos de controle e gerenciamento, possibilita também o surgimento de um sistema simbólico (Bourdieu) cujo valor é mensurável na imagem (ou no campo de significados) que o artista constrói e, sobretudo, no sucesso relativo que tal imagem alcança no mercado. Em linhas gerais, a função das stars é diminuir os riscos da produção e aumentar o lucro, sempre dentro de um quadro de previsibilidade. “São justamente os precedentes de sucesso e a notoriedade desses artistas, jornalistas, certos enganadores e, enfim, toda essa gama de ‘homens da comunicação’, que ajudam em grande medida a reduzir os riscos da aleatoriedade” (p. 188). Aqui, a racionalidade administrativo-econômica opera eficientemente. Sabe-se, por exemplo, o retorno financeiro que um espetáculo de Madonna pode trazer aos seus investidores ou patrocinadores. Da mesma forma, é esperada uma certa margem de lucro que o investimento em artistas desconhecidos pode proporcionar numa época de efervescência de um estilo musical (sertanejo, pagode, etc.).

Trabalho criativo
Um dos expoentes da escola francesa de economia crítica da comunicação e cultura, embora não pertencente à GRESEC, é Ramón Zalo. Para Bolaños, sua contribuição ao pensamento econômico-crítico foi o refinamento teórico dado à questão do trabalho específico objetivado na produção de bens culturais, ao que Zalo denominou “trabalho criativo”. Este tipo de trabalho, segundo ele, “[...] gera uma produção simbólica que remete aos códigos culturais, históricos e presentes, de uma sociedade dada, contribuindo para a sua reprodução ideológica e social” (p. 192). O trabalho criativo, desse modo, passa a vigorar como centro das análises sobre a produção cultural, o investimento que confere unicidade e especificidade à mercadoria cultural.
Dois fatores, no entanto, podem desgastar o valor da unicidade da mercadoria cultural, proporcionando sua crescente substitutibilidade; trata-se do assalariamento e a continuidade, ambas integradas ao sistema de organização do trabalho e voltadas à redução da aleatoriedade.
O assalariamento, na medida em que introduz uma rotina, um sistema de gerenciamento, hierarquias, enfim regras à produção, acaba por extinguir o trabalho criativo, pois “[...] leva à perda de autonomia do produtor individual e, portanto, a uma ‘expropriação do saber criativo’”. Exemplo disso é a determinação de um padrão estético imposto pelas editoras a escritores, os quais acabam produzindo mercadorias de valor médio – são as famosas receitas de sucessos, caras aos pockets books ou “livros de aeroportos”. Por outro lado, estas editoras podem não colocar restrição ou regras para a produção literária e, assim, deixar que a inspiração conduza a produção artística. Neste caso, o valor do livro pode oscilar de um pico a outro, ou seja, pode tanto consagrar o autor e render frutos à editora quanto ser um fiasco comercial, um risco que, em geral, as editoras (enquanto empresas comerciais) costumam não apostar.
Outro fator que impõe restrições ao trabalho criativo é a continuidade, já citada na culture de flot. A idéia de receitas de sucesso impõe-se aqui novamente: repetição de seriados, filmes, novelas e demais produtos capazes de preencher a programação e conferir uma boa imagem à empresa. Esta repetição busca controlar a aleatoriedade que se apresenta não apenas na produção, mas também na distribuição do produto. Isso possibilita, inclusive, ter uma previsibilidade de tempo gasto na distribuição do produto, evitando eventuais percalços, bem como uma cartografia desta distribuição no globo. Percebe-se, por exemplo, que alguns produtos culturais inovadores (geralmente uma produção independente) terminam por não entrar no circuito de consumo justamente porque não passou pelas “mãos” da empresa que detém o monopólio da distribuição e que, via de regra, é a mesma que exibe a programação repetitiva. A atividade da distribuição, como argumenta Bolaños, é também um setor extremamente lucrativo. “[...] o controle dos mecanismos de distribuição/edição é o lugar privilegiado de acumulação do capital. [...] Os lugares centrais da acumulação não estão aí onde se experimenta mediante a prova do acerto e do erro ou onde se trabalha por encomenda ou mediante a subcontratação, mas nas áreas onde se encontram os direitos de exclusividade, de reprodução e distribuição” (p. 195).
Se por um lado o assalariamento e a produção serializada produzem bens culturais sob o aspecto de mercadorias supérfluas, é comum, por outro lado, a participação de empresas independentes (como vimos) as quais podem trazer invenção, inovação e renovação ao sistema. Estas empresas não são anomalias do sistema; são, ao contrário, extremamente funcionais. Geralmente, elas fazem uso dos “viveiros culturais”, exércitos de reserva da indústria cultural à disposição na sociedade ou mesmo no mercado. Na medida em que um agente cultural faz relativo sucesso apresentando-se como promissor a este mercado, ou dependendo do grau de acesso destas pequenas empresas aos circuitos de difusão ou distribuição monopolizada, tanto a invenção quanto a inovação e a renovação podem ser integradas ou inseridas no sistema de produção hegemônico.

Valor simbólico
O conceito, famoso em Pierre Bourdieu, aparece aqui como contribuição de Alain Hercovici à escola francesa no que se refere à ampliação do valor de uso da mercadoria cultural. Segundo Bolaños, Hercovici “[...] representa um avanço na definição da especificidade do valor de uso da mercadoria cultural pelo fato de incorporar o elemento simbólico ligado à sua função principal de ‘produtor de sentido’, de significação. É essa função ideológica primordial que permite em última instância ao campo simbólico transforma-se em terreno de interesse do capital econômico” (p. 206).
Podemos definir valor simbólico como algo específico das mercadorias culturais, uma espécie de valor produzido pelo trabalho artístico/intelectual, porém objetivado não no produto em si, mas na “imagem” do produto (via embalagem, publicidade, etc.). Em geral, as mercadorias culturais se distinguem das mercadorias convencionais por aquelas serem dotadas de um sobrevalor – o simbólico – passível de ser, posteriormente, convertido em valor econômico (dinheiro).
Outra contribuição de Hercovici, segundo Bolaños, vem do conceito de “campo de produção”, entendido como “espaço socioeconômico que produz, simultaneamente, os produtos e as necessidades” (p. 200). Este conceito, porém, é outro extraído da sociologia de Bourdieu, especificamente o conceito de “habitus” (e da lógica dos campos), que infere o poder de determinação de uma estrutura social sobre o indivíduo a tal ponto dele sentir, pensar e agir conforme a disposição de tal estrutura. É pelo habitus, ou como quer Hercovici pelo campo de produção cultural, que se cria o capital cultural e as instituições artísticas (sistemas de consagração, hierarquias e diferenciações sociais no interior deste mesmo campo) responsáveis pela manutenção dos valores do campo. Outro conceito proveniente da matriz epistemológica de Bourdieu é a distinção social.

Distinção social
Trata-se do principal conceito da sociologia de Bourdieu. Ele surge como contraposição à idéia hegemônica de que o consumo cultural acaba por homogeneizar os indivíduos e os grupos, transformando-os em massa, em objetos de manipulação ideológica. Na verdade, a pesquisa empírica de Bourdieu leva a uma outra constatação: o consumo segmenta. Segundo ele, “os grupos sociais se autoclassificam em função de identidades construídas em oposição aos outros grupos” (p. 206 – 207) Assim, as pessoas e os grupos buscam distinguirem-se uns dos outros e a forma mais fácil de perceber isso é pelo consumo: um estilo musical determina uma forma de se vestir (por exemplo, punk, emo, sertanejo, rapper, etc), o gosto refinado, em oposição ao démodé ou à massificação imputa também uma lista gigantesca de objetos de consumos (música clássica, freqüência a teatros e museus, restaurantes sofisticados e livrarias especializadas, etc).
Este conceito será de grande relevância aos estudos da economia crítica da comunicação e cultura, justamente porque dará novo fôlego (novas formas de análise, novas leituras e proposição para problemas emergentes) às pesquisas sobre a produção, distribuição e consumo de mercadorias culturais na atualidade. Segundo Bolaños, “[...] a diferenciação é a mola da concorrência no capitalismo monopolista, onde vige a Indústria Cultural” (p. 207).

Questões para debate
Televisão como paradigma da indústria cultural – O modo de produção imposto pela culture de flot constitui o alvo principal das críticas tecidas por Theodor Adorno (e também por Max Horkheimer) no que se refere aos produtos culturais industrializados. Adorno vê declinar o grau artístico destes produtos já que estão obrigados a atender às exigências do mercado e não mais do sublime, da inspiração do artista. Interessante perceber que tal problemática já não tem mais sentido com a televisão, quer dizer, a partir dela (e de sua associação com os conglomerados financeiros) o problema eminente passa a ser outro e, nesta leitura, a arte irá habitar um segundo plano (no que se refere à questão abstrata do valor de troca/valor de uso); não se trata da mercadoria, mas do próprio mercado (determinante): “Passa-se, assim, de uma pseudocoabitação entre artesanato e indústria em que o criador podia ainda prevalecer-se de uma ilusória anterioridade (autonomia) em relação a um processo industrial limitado essencialmente à estandarização do produto ou à racionalização das técnicas de distribuição para um estágio no qual a industrialização atinge o conjunto do processo de produção, dominado por um complexo técnico-econômico que o precede e o preforma” (p. 186)
Desdobramento da cultura de flot no Brasil – A programação assume importância decisiva (para atender à fidelidade de público) em detrimento, inclusive, do próprio conteúdo veiculado. Segundo Bolaños, “cada emissão conta menos em si mesma que em relação ao conjunto da programação” (p. 184). Uma prática comum à culture de flot é a compra de produtos culturais capazes de suprir a lacuna da programação (e, desse modo, mantê-la protegida, dando credibilidade à emissora); esta prática não é estranha às empresas de televisão broadcast brasileiras, cuja aquisição de tais produtos fizeram-se, principalmente, da importação dos Estados Unidos, país que capitaliza grande parte deste capital. Como detentora do monopólio da distribuição destes produtos, e produzindo em larga escala, os custos de importação (e também a qualidade técnica e estética) destes bens importados são bem menores do que aqueles advindos da produção própria (nacional). O campo da produção cinematográfica brasileira é exemplar neste sentido. Tanto a criação da Embrafilmes (Empresa Brasileira de Filmes), nos anos 70, quanto a retomada do cinema nacional nos anos 2000 foram determinadas pela política nacional de restrição às importação de filmes e a tentativa de capitalizar a produção cultural. Muitos teóricos como Jean-Claude Bernardet (Cinema Brasileiro – proposta para uma história) infere que o principal fator da defasagem da produção cinematográfica brasileira é a inabilidade de capitalização deste produto, tanto pelo Estado, quanto pelas empresas brasileiras do ramo.
Do chefe do jornal aos conglomerados multi-mediáticos – Nos últimos tempos, as tradicionais empresas jornalísticas brasileiras têm sofrido uma transformação radical no processo de racionalização da produção e distribuição do consumo de seus bens culturais. Dentre as muitas modificações na estrutura técnica e produtivas das redações (decorrentes da informatização) e a melhoria na estrutura distributiva da informação (highway informacional, redes e bandas largas) cujos efeitos vemos sentir socialmente – velocidade da produção da notícia, mudança de hábito de leitura, etc. – há também a substituição da figura do chefe do jornal (patrão) pelos conglomerados multi-mediáticos. Sua sala também foi transformada num grande centro de pesquisa mercadológica dedicada ao mercado de bens culturais. Tais mudanças são também sintomáticas à passagem da televisão (paradigma desta indústria) de meio político-cultural para instrumento econômico, como frisou Bolaños. O significado simbólico (antropológico) desta mudança, no entanto, ainda não foi avaliado.


[1] A obra seminal aqui é “Capitalismo e Indústrias Culturais”, publicada em 1978 pelo grupo.
[2] Isso significou uma mudança na base teórica e no foco analítico.
[3] Sobre este ponto, a posição do GRESEC era a de que “oferta e demanda constituem dois aspectos complementares do processo de valorização do capital no domínio da produção cultural”, situando sua pesquisa “no quadro da análise de produção e reprodução do capital” (p. 162).
[4] Tal reprodução, como veremos mais adiante a partir da proposta de Bolaños, pode ser entendida também como ideologia, já que o autor afirma que o “simbólico” produzido não é apenas um “simples valor agregado”.
[5] Segundo Bolaños, os tipos industriais (“lógicas sociais” ou modelos econômicos) são “a da edição de mercadorias culturais, a da cultura da onda, a da informação escrita, a da produção de programas informáticos e a da retransmissão do espetáculo ao vivo” (p. 173)
[6] É justamente esta grade de programação que será a ponta-de-lança da empresa de comunicação para alçar seus lucros.
[7] É comum, neste sentido, a contratação de produtores ou profissionais que acumulam funções artísticas e assumem os riscos da produção em geral.
[8] Tal imperativo passa a vigorar, inclusive, como padrão de qualidade, modelo a ser seguido por outras empresas que desejam ter o mesmo desempenho.

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