Introdução
Neste texto apresentamos uma síntese da referida obra, de onde procuramos observar as principais idéias e os conceitos mais importantes. A subdivisão em tópicos segue a obra original com trechos extraídos da mesma e acrescidos de alguns comentários nossos.
1) O Ciclo do Capital Monetário
Neste capítulo, Marx apresenta o processo de circulação do capital a partir da seguinte equação: D – M ...P... M’ – D’. Daí podemos distinguir 3 estágios:
1º estágio: D – M (processo de circulação);
2º estágio: P (processo de produção);
3º estágio: M’ – D’ (processo de circulação).
O primeiro estágio constitui o processo de transformação do dinheiro (D) em mercadoria (M). Aqui, por exemplo, o patrão/capitalista “compra” a força de trabalho (FT) e os meios de produção (MP), respectivamente, do trabalhador e de um outro capitalista. Tanto FT quanto MP são consideradas mercadorias; enquanto a FT pode ser comprada na forma de mercadoria, os MP podem ser tanto alugados quanto comprados (igualmente como mercadoria) – no entanto, geralmente, o patrão/capitalista é também o dono dos meios de produção (MP). [1]
Para Marx, este primeiro estágio (D – M) marca a transformação do capital monetário em capital produtivo, ou seja, é neste momento que se inicia o processo de produção da mercadoria e de sua circulação (realização) enquanto capital. Sozinhos, MP e FT não produzem nada. A circulação e realização do capital (processo produtivo capitalista) dependem, portanto, de uma dosada combinação do MP (capital constante) e FT (capital adiantado). [2] Há que se considerar, no entanto, algumas condições para a realização deste processo. No texto, podemos identificar 3 fatores: 1) a separação do MP e FT; 2) uma classe trabalhadora assalariada; 3) um grau de desenvolvimento considerável do comércio. Tais condições são dadas historicamente a partir da divisão social em classes (patrões vs. trabalhadores). [3]
No segundo estágio, Marx detalha o processo de transformação do capital monetário em capital-mercadoria (produto), transformação da natureza e da utilidade do produto a partir da combinação entre MP e FT; tal produto, por sua vez, será vendido (transformado em dinheiro) no terceiro estágio – trata-se de uma etapa produtiva e não circulatória.
Há uma interrupção no primeiro processo de circulação e o acréscimo de um valor (mais-trabalho/mais-valia) sobre o primeiro investimento. “P” designa aqui “capital produtivo”, uma soma de trabalhador assalariado (FT) livre e MP. Tanto FT como MP encontram-se unidos em P como modo de existência produtiva para o produtor capitalista (P = MP + FT). P constitui, nestes termos, a capacidade de gerar mais-valia. Segundo Marx (p. 33) “Ao funcionar, o capital produtivo consome seus próprios componentes, para convertê-los em massa de produto de valor maior. Como a força de trabalho só opera como um de seus órgãos, também o excedente do valor do produto acima do valor de seus elementos constitutivos, gerado por seu mais-trabalho, é fruto do capital”.
O terceiro estágio trata da transformação da mercadoria (M) em dinheiro (D) e o retorno deste ao primeiro estágio, completando um ciclo. Marx utiliza M’ e D’ para designar uma mercadoria e um dinheiro diferentes daqueles da primeira etapa (M e D), isso porque entre D – M (primeiro estágio) e M – D (terceiro estágio) há um P que altera a natureza da mercadoria, acrescendo-o de valor (d). [4] Assim, “D’ é apenas o resultado da realização de M. Ambos, tanto M’ quanto D’, são apenas formas distintas, forma-mercantil e forma-dinheiro, do valor-capital valorizado, ambos têm em comum que são valor-capital valorizado”. (p. 39)
Surge aqui a figura do “capital-mercadoria”, cuja função é (como de qualquer mercadoria) transformar-se em dinheiro, fazer a “máquina” girar, não deixar parar o sistema (capitalista): “a função M’ é, pois, a de todo produto-mercadoria: transforma-se em dinheiro, ser vendido, percorrer a fase de circulação M – D. Enquanto o capital agora valorizado permanece fixado na forma de capital-mercadoria, imobilizado no mercado, o processo de produção fica parado. Não atua nem como fornecedor de produto nem como formador de valor”. (p. 35)
Neste primeiro capítulo, além de uma breve descrição do ciclo monetário (em 3 etapas), há outros pontos interessantes que, acreditamos, são fundamentais para uma discussão mais aprofundada:
Localização da produção da mais-valia [5] – A partir do ciclo monetário apresentado, Marx identifica na segunda etapa (processo produtivo) o ponto em que se produz a mais-valia – a partir de um mais-trabalho (capital variável). [6]
Numa passagem interessante, Marx fala de como esta mais valia é apagada ou obscurecida do real: “No dinheiro, toda a diversidade das mercadorias se apaga exatamente porque ele é a forma de equivalência comum a todas elas [...] na simples existência desta soma em dinheiro está apagada a mediação de sua origem e todo o traço da diferença específica que os distintos componentes do capital possuem no processo de produção desapareceu, a diferença só existe agora sob a forma conceitual de uma soma principal [...]” (p. 38).
O conceito de capital – Na leitura do texto, tentamos buscar uma definição de capital já que se trata de um conceito-chave não só deste capítulo, mas, sobretudo, de todo o conjunto de obras de Marx. Assim, numa definição provisória e suficiente, podemos compreender o capital como conceito operativo do sistema marxista de produção capitalista, um valor que gera valor.
A certa altura, Marx adianta a imagem que irá guiar todo o seu trabalho, permeando o processo de capitalização de onde confluem os ciclos apresentados: “[...] o enriquecimento enquanto tal é um fim em si mesmo da produção” (p. 44).
Modos de existência do capital – No ciclo global apresentado, Marx fala da transformação no valor e na forma útil do capital, ou seja, o capital pode assumir diversas formas e em cada uma vir com acréscimo de valor (uma mais-valia), pode incorporar-se tanto no dinheiro como nas mercadorias (FT, MP, outros produtos). Assim, há vários tipos de capital (industrial, monetário, produtivo, mercadoria), mas estes apenas contemplam funções diferentes do capital em cada um dos três estágios: 1º) função do capital monetário é sua transformação em mercadoria (MP e FT) (p. 53); 2º) função do capital produtivo é a transformação num produto de (maior) valor e natureza diferente pelo trabalho assalariado; 3º) função do capital-mercadoria é transformar-se em dinheiro. Nas palavras de Marx: “As duas formas que o valor-capital adota dentro de suas fases de circulação são as de capital monetário e capital-mercadoria; sua forma correspondente à fase de produção é a de capital produtivo. O capital que no transcurso de seu ciclo global adota e volta a abandonar essas formas, e em cada uma cumpre a função que lhe corresponde, é o capital industrial – industrial, aqui, no sentido de que abarca todo ramo da produção conduzido de modo capitalista. Capital monetário, capital-mercadoria, capital produtivo não designam aqui tipos autônomos de capital, cujas funções constituam o conteúdo de ramos de negócios igualmente autônomos e mutuamente separados. Designam aqui apenas formas funcionais específicas do capital industrial, que assume todas as três, uma após a outra”. (p. 41)
O Ciclo Global – A partir do esquema abaixo, Marx (p. 47) irá ler todo o processo de circulação do capital.
D – M ...P... M’ – D’. D – M ...P... M’ – D’. D – M ...P... etc.
Para isso, em cada um destes três ciclos, ele irá deter-se no trecho que lhe interessa analisar. Por exemplo, no ciclo monetário, ele toma o trecho de D até D’; no ciclo produtivo, o trecho P – P; e no ciclo da mercadoria, o trecho M’ – M’.
2) O Ciclo do Capital Produtivo
Marx inicia sua análise do capital produtivo a partir da fórmula: P... M’ – D’. D – M ...P, (extraída do ciclo global cima). O que no ciclo monetário constituía um momento de interrupção (P), no ciclo produtivo se torna circulação; igualmente, o que no ciclo monetário constituía circulação (D – M; M’ – D’), no ciclo produtivo se torna interrupção. Esta atitude serve para observar, com minúcia, o movimento do capital considerado em sua forma produtiva. Sua análise se debruça sobre o trecho P – P, na passagem de M – D – M.
Nesta passagem (denominado ciclo do capital produtivo) observa-se a transformação do capital-mercadoria em capital produtivo (M’ – D’. D – M). Identificamos aí dois caminhos: reprodução simples ou reprodução em escala ampliada. A decisão entre estes dois caminhos, contudo, depende do que o capitalista irá fazer com d (da fase D’); se irá reinscrever novamente no ciclo (renovação e uso d em despesas pessoais) ou se d irá seguir um curso diferente (acúmulo de d e posterior investimento do mesmo no ciclo). Isso ocorre porque, de acordo com Marx, “[...] tanto o valor-capital quanto a mais-valia contidos em M’ recebem uma existência separável, a existência de somas distintas de dinheiro; em ambos os casos, tanto D quanto d são realmente forma transmutada do valor que originalmente só em M’ como preço da mercadoria possui expressão própria, ideal. [...] A circulação de M e m, de valor-capital e mais-valia, se cinde depois da conversão de M’ em D’” (p. 51).
Na primeira opção, tem-se a renovação do ciclo e o gasto de d para consumo de ordem pessoal do capitalista. Tal consumo (capitais individuais) inscreve-se, segundo Marx, no ciclo geral (ou global) do capital, já que é o consumo de mercadorias (portanto, transformação de d em m) de outros capitalistas: “A circulação geral compreende tanto o entrelaçamento dos ciclos das diferentes frações autônomas do capital social, isto é, a totalidade dos capitais individuais, como a circulação dos valores não lançados no mercado como capital, ou seja, que entram no consumo individual”. (p. 53) A fórmula que rege o processo acima é m – d – m: uma mais valia que se transforma em dinheiro para comprar outras mercadorias (consumo do capitalista).
Na segunda opção, d (mais-valia) retorna como investimento ao ciclo produtivo (P). No entanto, exige-se de d um valor mínimo: “Caso deva ser empregado para ampliar o negócio original, então as relações dos fatores materiais de P e suas relações de valor exigem igualmente certa grandeza mínima para d” (p. 61).
Aqui destacamos ainda o conceito do tesouro: “[...] o tesouro, forma de existência da mais-valia, é um fundo de acumulação de dinheiro, a forma-dinheiro que a acumulação de capital possui transitoriamente e, nesta medida, ela mesma é condição da última” (p. 62)
Havíamos dito que na transição de D’ para M (D’ – D – M) se faz com uma interrupção no ciclo do capital produtivo. De fato, há duas situações de interrupção do capital monetário:
1ª Situação – “se essas mercadorias devem ser compradas ou pagas em prazos diferentes e, portanto, D – M representa uma série de compras e pagamentos que ocorrem sucessivamente, então uma parte de D realiza o ato D – M, enquanto outra parte permanece em estado monetário, a fim de servir para atos D – M, simultâneos ou sucessivos, num prazo determinado pelas condições do próprio processo” (p. 57).
2ª Situação – “Se a continuidade do processo de circulação tropeça em obstáculos, de modo que D, por circunstâncias externas, situação de mercado, etc., tenha de suspender sua função D – M e, por isso permanece, durante um período maior ou menor, em seu estado monetário, este é novamente um estado de tesouro do dinheiro, que também ocorre na circulação simples de mercadorias, assim que a transição de M – D para D – M é interrompida por circunstâncias externas. É formação involuntário de tesouro” (p. 58).
O tesouro ainda guarda uma outra função no sistema produtivo, qual seja, a reparação de defeitos do ciclo. Conforme Marx: “O fundo de acumulação monetária serve como fundo de reserva para fazer face a perturbação do ciclo” (p. 63).
Em todo o caso, a formação do tesouro significa capitalização de d (rendimento). No ciclo produtivo, portanto, tem-se o acréscimo de valor em P: ao completar um ciclo, atingindo o ponto P’, este terá um valor (capital produtivo) maior do que aquele ingressado (P). Como regra geral, P’ > P.
Diferentemente do ciclo monetário que evidencia a valorização do capital no processo D – D’, [7] o ciclo produtivo apresenta apenas uma mera reprodução do capital produtivo – de fato, na descrição pormenorizada do ciclo produtivo, D – D’ aparece apenas efemeramente. Neste ponto, identificamos uma crítica de Marx em relação às análises econômicas anteriores: A economia clássica chamou o ciclo produtivo (marxista) de “processo de circulação do capital industrial” (p. 63). O erro desta economia clássica, segundo Marx, foi “[...] abstrair a forma capitalista determinada do processo de produção e apresentar a produção enquanto tal como finalidade do processo, de modo a produzir tanto e tão barato quanto for possível e trocar o produto pela maior variedade possível de outros produtos, em parte para a renovação da produção (D – M), em parte para o consumo (d – m)” (p. 69).
Neste capítulo observamos ainda dois pontos importantes:
O trabalho como único fator gerador de riquezas – Este ponto, acreditamos, é fundamental no trabalho de Marx. Constitui o mote dos libelos marxistas contra a classe burguesia que detém (retém) toda a riqueza produzida pelos proletários e camponeses.
Mercadoria como forma de valorização (rendimento) do capital – O texto dá entender que a única forma de valorizar o capital é transformando ele em mercadoria (M’). Pressupõe-se em M’ não apenas M (FT e MP que retornam à produção), mas também m (mais valia).
3) O Ciclo do Capital Mercadoria
A fórmula para o ciclo do capital-mercadoria é: M’ – D’ – M ...P... M’
Algumas diferenças marcam este terceiro ciclo (capital mercadoria) para o primeiro (monetário) e o segundo (produtivo). Enquanto nestes há, respectivamente, D – D’ e P – P’, aqui M’ inicia e termina o ciclo (M’ – M’). Isso significa que M’ sempre inaugurará seu ciclo como capital-mercadoria acrescido de valor (valor capital + mais-valia) dado em sua etapa anterior (capital produtivo): “[...] o ciclo começa com o valor valorizado e conclui com valor novamente valorizado, mesmo quando o movimento é repetido em escala constante” (p. 75).
A realização do capital-mercadoria aqui provém da sua transformação em mercadoria física, seja como elementos da produção (MP + FT) consumidos nos ciclos individuais, seja como o próprio produto capitalizado, originado a partir deste consumo. Assim, no ciclo do capital-mercadoria estão pressupostos outros ciclos individuais que convergem enquanto capital-mercadoria: o consumo de bens de subsistência por parte do trabalhador; a compra, a renovação, e manutenção de MP; o capital adiantado, FT (na forma de mercadoria); o produto propriamente dito (M’).
Dos três ciclos de capital apresentados – monetário, produtivo e mercadoria –, neste último encontramos certa dificuldade para a compreensão de alguns de seus detalhes. Acreditamos que isso se deve ao fato de que, em certos momentos – e em virtude da identidade mutante de M (às vezes como M’) durante o processo de circulação (especialmente quando completa o primeiro ciclo e inicia o segundo) –, M é tanto FT + MP (elementos produtores da mercadoria), quanto a própria mercadoria produzida a partir de MP + FT (M + m). Em se tratando de um ciclo em que outros ciclos individuais se cruzam e convergem em seu eixo, ficou um pouco confuso para nós os pormenores analisados na primeira etapa do ciclo (M – D) e também na segunda (D – M), já que em inúmeras passagens Marx afirma que a segunda está pressuposta na primeira e a primeira na segunda; uma é condição da outra. Estas identidades assumidas por M no processo M – D – M (semelhante ao ciclo produtivo), no entanto, evidenciam o rigor analítico de Marx e sua capacidade de abstração e explicação do funcionamento do processo de circulação de mercadoria em sua forma capitalizada, seja ela tomada enquanto forma individualizada (consumo produtivo, gasto de d, etc.), seja ela como circulação global, abrangendo todos os outros ciclos.
4) As Três Figuras do Processo Cíclico
Nesta parte Marx irá entrelaçar os três ciclos (capital monetário, capital produtivo e capital-mercadoria) e, a partir deste cruzamento, analisar alguns fenômenos econômicos.
A primeira idéia fundamental aqui é a ubiqüidade do capital industrial ao longo de um processo cíclico, ou seja, cada capital industrial individual encontra-se em todos os três ao mesmo tempo. [8] Ou seja, assumem diferentes configurações (realizam-se diferentemente nas formas funcionais) em cada movimento, repetindo este mesmo processo em cada reprodução. Para Marx: “A reprodução do capital em cada uma de suas formas e em cada um de seus estágios é tão contínua como as metamorfoses dessas formas e o percurso sucessivo dos três estágios [...] Todas as partes do capital percorrem sucessivamente o processo de circulação, encontrando-se ao mesmo tempo em diferentes estágios do mesmo” (p. 76 – 77). Aqui, portanto, o ciclo global constitui a unidade de suas três formas.
Outro ponto importante, mencionado acima, é a continuidade do movimento, sua fluidez. Para Marx, a análise cíclica do capital pressupõe a idéia de movimento sendo esta, conforme ele, sua condição de inteligibilidade. Por isso, “[...] só pode ser entendido como movimento e não como coisa em repouso. Aqueles que consideram a autonomização do valor como mera abstração esquecem que o movimento do capital industrial é essa abstração in actu” (p. 78).
No entanto, prossegue Marx, pode acontecer alguns percalços na fluidez ou continuidade do processo – às vezes por conta de fenômenos externos (natureza), outras vezes, internamente, dependendo do ramo em que se busca a capitalização. É desse modo que Marx fala das “paralisações” (p. 76) “imobilizações do capital” ou interrupções esperadas, como em atividades que dependem de condições naturais (variações na qualidade do solo a partir do clima, as estações do ano, etc.); outras não tão previsíveis como a alta dos preços de matéria-prima, desenvolvimento técnico (aumento ou diminuição dos custos em MP), investimento em outros negócios, etc. Em grande parte do texto, Marx explica alguns fenômenos e comportamentos econômicos (como o aumento do volume e da massa produtiva, a elevação de preços, prioridade de MP sobre FT, etc.), utilizando os modelos cíclicos individuais (D – D’; P – P’, M’ – M’), porém aplicados numa globalidade. Nos casos apresentados, ele sugere correções a partir das determinações destes mesmos modelos, a exemplo do trecho: “[...] uma queda no valor dos meios de produção, por exemplo, matéria-prima, materiais auxiliares, etc., vai exigir um dispêndio de capital monetário menor do que antes da queda para abrir um negócio de determinado volume, porque o volume do processo de produção (com desenvolvimento constante da força de produção) depende da massa e do volume dos meios de produção que dada quantidade de força de trabalho pode dominar [...]” (p. 80).
A partir destas análises, Marx chega a generalizar a forma ou o modo (específico) de produção (da sociedade) capitalista, qual seja, a produção de mercadoria, sendo esta sua riqueza e cuja fonte é o trabalho (mais-trabalho): “O que caracteriza a produção capitalista seria apenas a amplitude com que o produto é produzido como artigo comercial, como mercadoria, portanto também seus próprios elementos constitutivos deveriam também reingressar como artigos de comércio, como mercadorias, na economia da qual eles provêm. De fato, a produção capitalista é a produção de mercadorias como forma geral da produção, mas ela o é, e se tona cada vez mais em seu desenvolvimento, porque o próprio trabalho aparece aqui como mercadoria, porque o trabalhador vende o trabalho, isto é, a função de sua força de trabalho, e isso, conforme admitimos, pelo valor determinado por seus custos de reprodução” (p. 86).
5) Tempo de Circulação
Marx irá incluir aqui o tempo como fator importante da capitalização, conforme sua incidência nos processos produtivo (tempo de produção) e circulatório (tempo de circulação) do capital.
Ele considera “tempo de produção” (dos meios de produção) [9] o intervalo de tempo gasto para a produção de uma mercadoria. Considerará, no entanto, não apenas o tempo de sua funcionalidade (quando os meios de produção estão em pleno processo de produção de mercadorias), mas também o tempo em que há interrupções na produção (por exemplo, à noite, quando acaba o expediente dos trabalhadores), além do período em que certos meios de produção existem (estão disponíveis ao uso), mas permanecem à espera de seu uso produtivo (reinvestimento, refuncionalização ou alocação em outro lugar sistema).
Este tempo, portanto, inclui não apenas o intervalo de produção de uma determinada mercadoria, mas o intervalo de uma produção e outra, seu ciclo, o tempo de circulação da mercadoria no ciclo geral, já pressuposta aí a sua demanda social: “O tempo de produção é, portanto, sempre o tempo durante o qual o capital produz valores de uso e valoriza a si mesmo, funcionando assim como capital produtivo, embora inclua o tempo em que é latente ou produz sem se valorizar” (p. 91)
Desse modo, no ciclo geral, o tempo de produção absorve o tempo de circulação (M – D; D – M), comparecendo aí uma relação de proporção inversa. “Tempo de circulação e tempo de produção excluem-se mutuamente. Durante seu tempo de circulação, o capital não funciona como capital produtivo e, por isso, não produz mercadoria nem mais-valia. [...] Quanto mais as metamorfoses do capital forem apenas ideais, isto é, quanto mais o tempo de circulação for = zero ou se aproximar de zero, tanto mais funciona o capital, tanto maior se torna sua produtividade e autovalorização [...] O tempo de circulação do capital limita, portanto, em geral seu tempo de produção e, por isso, seu processo de valorização” (p. 91).
Marx irá considerar importante também a perecidade do produto no processo circulatório, ou seja, o tempo que determinada mercadoria demora para se transformar em dinheiro (e vice-versa), [10] o que interfere diretamente na valorização do capital investido. Tal perturbação, portanto, pode ser arrolada junto aos problemas (objeto) da ciência econômica marxista. “[...] o que a Economia Política enxerga é aquilo que aparece, ou seja, o efeito do tempo de circulação sobre o processo de valorização do capital em geral” (p. 91 – 92).
Dois pontos importantes e igualmente interessantes, além daqueles já apresentados, foram detectados por nós na leitura deste capítulo:
Compra vs. Venda – Marx afirma que a venda (M – D) é mais importante que a compra (D – M); pois enquanto esta é importante para a valorização do valor investido (D) em (P), somente aquela é capaz de realizar a mais-valia. (Ver p. 93)
A variação do valor de uso segundo as infra-estruturas técnicas e sociais – a partir desta noção de tempo como fator interveniente no processo da capitalização, Marx problematiza a perda do valor de troca de certas mercadorias paradas no mercado em virtude de condições infra-estruturais da sociedade. “Os valores de uso só permanecem como portadores do valor-capital, que se pereniza e valoriza, à medida que são constantemente renovados e reproduzidos, sendo repostos por novos valores de uso da mesma ou de outra espécie. [...] O valor de troca só se mantém por meio dessa renovação constante de seu corpo [...] Quanto mais perecível uma mercadoria, quanto mais imediatamente depois de sua produção for preciso consumi-la e, portanto, também vendê-la, tanto menos ela pode se distanciar de seu local de produção, tanto mais estreita, portanto, sua esfera de circulação espacial, tanto mais local a natureza de seu mercado de venda. Portanto, quanto mais perecível uma mercadoria, tanto maior, por sua condição física, o limite absoluto de seu tempo de circulação enquanto mercadoria, tanto menos ela se adequa a ser objeto da produção capitalista” (p. 93). Interessante pensar, neste sentido, que empresas que trabalham com mercadorias cujo valor de uso se volatiliza rapidamente somente poderia ter surgido numa época de relativo desenvolvimento de sua infra-estrutura técnica. O jornalismo, que alguns historiadores remetem sua origem às Actas Diurnas Romanas, se considerado como empresa produtora mercadoria (informação) de valor altamente perecível, tornada possível a partir do desenvolvimento técnico da indústria e dos meios de transporte (estradas e outros meios de comunicação), passa a ter como origem não 59 A.C., mas o século XIX.
6) Os Custos da Circulação
O último capítulo desta primeira seção se encerra com a descrição dos principais custos que o capitalista irá se deparar no processo de circulação do capital. Podemos entender estes custos como uma espécie de obstáculo à fluidez do capital em seu processo de valorização. Estes custos provêm de: o tempo de compra e venda de mercadorias, a contabilidade, a conservação e o transporte. [11]
A rigor, tais custos estão implícitos na produção, porém não acrescentam valor à mesma, são o que Marx entende por “falsos custos” (faux frais): “A lei geral é que todos os custos de circulação que só se originam da transformação formal da mercadoria não lhe agregam valor. São apenas custos para a realização do valor ou para a sua conversão de uma forma em outra. O capital despendido nesses custos (inclusive o trabalho por ele comandado) pertence aos faux frais da produção capitalista” (p. 108).
Tempo de compra e venda da mercadoria – Ganha importância aqui, não apenas o agente que irá agilizar a compra de FT e MP (elementos produtores da mercadoria), mas, especialmente, o vendedor cuja responsabilidade é a mais abstrusa da capitalização, qual seja, transformar M em D. [12] Ambas as atividades (compra e venda), entretanto, segundo Marx, não gera valor. “[...] vamos admitir que este agente de compra e venda seja um homem que vende o seu trabalho. Ele despende sua força de trabalho e seu tempo de trabalho nessas operações M – D e D – M. Vive disso, como, por exemplo, outro de fiar e de fazer pílulas. Executa uma função necessária pois o próprio processo de reprodução implica funções improdutivas. Trabalha tão bem quanto outros, mas o conteúdo de seu trabalho não gera valor nem produto [...] Sua utilidade não consiste em transformar uma função improdutiva em produtiva, ou trabalho improdutivo em produtivo. Seria um milagre se semelhante transformação pudesse ser efetuada mediante tal transferência de função” (p. 97).
Contabilidade – Além da compra e da venda há custos também em contabilidade e trabalho objetivado: caneta, tinta, papel, escrivaninha, custos de escritório. “Nesta função, gasta-se portanto, por um lado, força de trabalho e, por outro, meios de trabalho” (p. 98). Marx afirma ainda uma diferença entre os custos derivados da contabilidade e os derivados do tempo gasto em compra e venda de mercadoria: estes “últimos se originam apenas da forma social determinada do processo de produção, do fato de ser processo de produção de mercadorias”; já a contabilidade “como controle e síntese ideal do processo torna-se tanto necessária quanto mais o processo transcorre em escala social e perde seu caráter puramente individual [...] Mas os custos da contabilidade se reduzem com a concentração da produção e quanto mais se transforma em contabilidade social” (p. 99).
Conservação – Marx apresenta aqui os custos implicados na conservação dos capitais-mercadorias em estoques, por exemplo, onde há imobilização do capital. Aqui há a necessidade de investimento em instalações como prédios, armazéns, barracões, etc, além do pagamento de força de trabalho para seu armazenamento (guardas/seguranças e dispositivo de vigilância/segurança como alarmes). [13] O objetivo, desse modo, não é valorizar o valor do capital investido, mas conservar o seu valor no mercado, quer dizer, evitar que este valor caia. Marx aponta ainda formas diversas de manifestação do “estoque”; estas aparecem “sob a forma de capital produtivo, sob a forma de fundo de consumo individual e sob a forma de estoque de mercadorias ou capital-mercadoria” (p. 102).
Transporte – O custo em transporte segue a mesma lei geral apresentada por Marx sobre o custo circulatório, o valor da mercadoria (capital produtivo) permanece, não há acréscimo produtivo no produto. “[...] é a lei geral da produção de mercadorias: a produtividade do trabalho e sua criação de valor estão em razão inversa. Como para qualquer outra, isso vale para a indústria de transportes. Quanto menor a quantidade de trabalho morto e vivo que o transporte de mercadoria exija para determinada distância, tanto maior a força produtiva do trabalho e vice-versa. A grandeza absoluta de valor que o transporte agrega às mercadorias, com as demais circunstâncias constantes, está em razão inversa da força produtiva da indústria de transportes e na razão direta das distâncias a serem percorridas” (p. 109).
A mercadoria, todavia, corre o risco de estragar-se, caso a rede de distribuição e comunicação (transporte) não seja compatível com o planejamento e logística do capitalista (por exemplo, a distância ou os obstáculos geográficos entre a produção e o consumo são muito grandes). Da mesma forma como nos custos da conservação, termina-se por capitalizar estes ramos (autonomizando-as do processo circulatório) através de empresas de conservação e transporte. Sobre esta última, afirma Marx: “A indústria de transportes constitui, por um lado, um ramo autônomo da produção, e, por isso, uma esfera especial de investimento do capital produtivo. Por outro, diferencia-se pelo fato de aparecer como continuação de um processo de produção dentro do processo de circulação e para o processo de circulação” (p. 110).
[1] No texto anterior, Grundrisse, Marx falou do “consumo produtivo”, quer dizer, toda produção implica um consumo anterior (água, alimentos, roupas, etc.), e todo consumo implica numa produção posterior (“[...] na natureza, o consumo dos elementos e das substâncias químicas é a produção de plantas”); “[...] a produção é imediatamente consumo, o consumo é imediatamente produção. Cada um é imediatamente seu oposto”. Ou, em outras palavras: produção é consumo e consumo é produção. Na descrição deste ciclo (e também na observação das metamorfoses do capital neste processo), a compreensão do “consumo produtivo” de Marx fica mais evidente.
[2] Capital adiantado, conforme dissemos no “consumo produtivo”, constitui-se como pressuposto da produção. É necessário que o trabalhador se alimente, se vista, cuide de sua saúde física, enfim consuma mercadorias (comida, bebida, roupas, remédios) para poder produzir, para poder trabalhar.
[3] Ao se referir à sociedade capitalista moderna e ao seu regime de circulação do capital (comércio), Marx reitera sua concepção positivista da história, aliás presente já na Grundrisse. Assim, no momento em que Marx analisa o capitalismo de sua época (ponto de referência do presente), ele reitera a idéia de um alto grau de desenvolvimento no comércio resultado de uma evolução histórica cujo começo estaria no sistema de trocas simples das comunidades pré-modernas. Max Weber, ao contrário, acredita em diferentes formas de capitalismo, não necessariamente contínuas (históricas), todas co-existentes; para Weber, a especificidade do “nosso” capitalismo estaria no racionalismo nele implicado.
[4] D’ = D + d: Dinheiro da venda da mercadoria é igual ao capital investido mais seu excedente valorizado (mais valia). Ou, capital mercadoria = capital produtivo + mais-valia. Esta equação está representada, monetariamente, quer dizer, na forma dinheiro.
[5] Da mesma forma, consideramos igualmente importante o momento em que esta mais-valia se converte em dinheiro (D’) após a venda em mercadoria (M’).
[6] Fazendo uma ponte com o texto anterior “A informação”, de Antony Wilden, podemos compreender a mais-valia como um trabalho realizado (no sentido termodinâmico), um excedente da produção sistêmica que se compensa com um excedente de capital-mercadoria e, em última instância, em capital-monetário.
[7] Esta é, aliás, a peculiaridade circulação monetária e o ponto forte da análise marxista, qual seja, apresentar o objetivo do processo de produção capitalista: a valorização do capital.
[8] Aqui, novamente, transparece o entrelaçamento de ciclos individuais no eixo geral de produção, a exemplo do trecho: “M – D do lado do possuidor de mercadorias é D – M do lado do comprador; a primeira metamorfose da mercadoria em M – D é a segunda metamorfose da mercadoria que se apresenta como D; inversamente em D – M. Portanto o que se mostrou sobre o entrelaçamento da metamorfose da mercadoria num estágio com a de outra mercadoria em outro estágio é válido para a circulação de capital, à medida que o capitalista opera como comprador e vendedor de mercadoria, funcionando o seu capital, portanto como dinheiro em face da mercadoria alheia ou como mercadoria em face do dinheiro alheio” (p. 84).
[9] “Tempo de produção” em Marx é entendido em seu “sentido ativo”, quer dizer, é o tempo calculado segundo a participação dos meios de produção “no processo de produção de um produto-mercadoria” (p. 89).
[10] Segundo Marx, o tempo de transição de M para D acaba consumindo grande parte do tempo geral de produção: “Já se sabe pela análise da circulação simples de mercadorias (Livro Primeiro, Cap. III) que M – D, a venda, é a parte mais difícil de sua metamorfose, constituindo, por isso, sob circunstâncias ordinárias, a maior parte do tempo da circulação” (p. 92).
[11] O texto apresenta outros, porém para não alongarmos demais expusemos estes que consideramos os mais importantes e que, por isso, merecem também um comentário.
[12] Para estes agentes e para estas atividades, Marx também fala de uma expropriação de seu trabalho (tempo).
[13] Estes custos, segundo Marx, se diferenciam dos custos de tempo em compra e venda de mercadorias pelo fato de que aqui, estes custos participam do valor das mercadorias, todavia, passam a ter uma existência autônoma. “Em qualquer circunstância, capital e força de trabalho que servem para a manutenção e conservação do estoque de mercadorias são subtraídos do processo direto de produção” (p. 101).
Olá ! adorei o seu trabalho ,facilitou e muito a minha compreensão do terceiro volume do capital , muitas vezes nos falta tempo para sintetizar as obras que estudamos e com o passar do tempo a memória falha e encontrar um texto que trabalhe tão bem os escritos de Marx é um alívio para nós estudiosos do Marxismo , mais uma vez parabéns e muito obrigada !
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