sábado, 3 de setembro de 2011

Apontamentos dos textos: DANTAS, Marcos. “Informação como trabalho e como valor”. In. Revista da Sociedade Brasileira de Economia Política, nº 19, 2006, p. 44-72; ________. A renda informacional. Comunicação apresentada à XVIII Compós, São Paulo, 2008. ROLDÁN, Martha. “Trabalho ‘creativo’ y producción de contenidos televisivos em el marco del capitalismo informacional contemporâneo: reflexiones sobre el caso argentino em los Dos Mil”. In. SEL, Susana (coord.) Políticas de comunicación em el capitalismo contemporâneo, Buenos Aires: CLACSO, 2010.


Introdução
Os três textos acima apresentam como tema comum a mercantilização abordada sob o enfoque do trabalho informacional (criativo) e da dinâmica (ciclo) do capital-informação. Além de dialogarem entre si, complementando-se mutuamente, os três textos ampliam a discussão sobre a mercadoria informacional e suas formas de produção (valor e trabalho implicados) e valorização que, só recentemente, se deu o merecido cuidado. No texto “Informação como trabalho e como valor” o autor fornece o fundamento epistemológico que dará base para sua construção teórica rumo à legitimação de seu problema (objeto): a estrutura e o funcionamento do capital-informação na sociedade atual. Já em “A renda informacional”, o autor amplia a discussão sobre a valorização deste capital, dada sob a forma de monopólio do trabalho informacional. Esta temática está também presente em Marta Roldán, segundo a qual, atualmente, os produtos informacionais (chamadas por ela de criativos) são bens caros de se produzir (pois implica trabalho criativo ou informacional), porém são baratos de se copiar (trabalho morto): “Tampouco constituem recursos escassos por natureza, mas que sua escassez aparente é só artificial e assegurada por meio de patentes, direitos autorais, licenças várias, destinadas a captar na forma de renda o produto do trabalho humano definido ‘criativo’” (p. 78). Não obstante, o cerne da discussão de Roldán em “Trabajo ‘creativo’ y producción de contenidos televisivos...” gira em torno da observação empírica da produção criativa considerando os modos de organização deste trabalho por parte das empresas que lucram com a mercadoria cognitiva. A sequência dos textos, portanto, obedece a um raciocínio pedagógico coerente: após um debate teórico-conceitual empreendido por Dantas nos dois primeiros textos, Roldán fecha com um debate de cunho mais aplicado (experimental), contemplando as bases fundamentais da Economia Política da Comunicação que, segundo Vicent Mosco, valoriza não somente a renovação teórica da área, mas, sobretudo, sua aplicabilidade em pesquisas empíricas.

Informação como trabalho e como valor
O principal problema apresentado aqui diz respeito ao valor da informação (e do conhecimento) enquanto trabalho (passado) capaz de gerar valor e “novas mercadorias” sem, necessariamente, sucumbir ao processo universal da entropia (comum às mercadorias tradicionais). [1] Tal questão foi considerada (ou pelo menos intuída) por Marx, porém não teve um aprofundamento necessário. Dantas, por sua vez, não apenas aprofunda esta questão (a partir da relação entre valor de uso e valor de troca das mercadorias com a força de trabalho) como dá subsídio epistemológico a ela, fundamentando o problema a partir da teoria da informação. O resultado disso é uma economia política marxiana renovada, apta a compreender e responder problemas insurgentes como a valorização do capital a partir da privatização da informação e do conhecimento, privatização esta apresentada pelo direito de patente sobre bens indispensáveis à produção e sobrevivência na sociedade capitalista contemporânea. A nosso ver, a grande contribuição deste trabalho reside na aproximação epistemológica da teoria da informação com a economia política marxiana, aproximação esta negligenciada por muitos autores da economia, porém tornada possível graças à natureza fluida do conceito de informação (conhecimento) que, no sistema marxiano, está implicitamente presente (porém, pouco desenvolvido) no “valor de uso” e no “valor de troca”, quando vinculados à “força de trabalho” necessária à produção de mercadorias. Dada a importância desta articulação conceitual, descrevemos abaixo os pontos e os trechos que julgamos mais importantes nesta construção:
Teoria da Informação – o conceito de informação se articula com o conceito de neguentropia. Podemos perceber no texto a seguinte definição de informação: “[...] processo que, sob certas condições e limites, permite a um sistema recuperar parte do calor dissipado, sustentar certo grau de ordem relativa e assim manter capacidade para seguir fornecendo trabalho” (p. 46). O processo informacional, neste caso, pode ser detalhado da seguinte maneira: a modulação de energia em subsistemas (informação) produz a ação recíproca destes subsistemas entre si (trabalho). Em todo e qualquer sistema há esta tendência da troca energética (calor) entre subsistemas, porém esta troca acontece sempre com uma perda relativa de energia – todo sistema, portanto, tende à entropia (perda da capacidade de fornecer trabalho). Mas os sistemas, para sua manutenção, são dotados também de uma capacidade de fornecer trabalho: neguentropia ou entropia negativa. Aqui, o tempo atua como adversário do organismo neguentrópico, conforme diz o autor: “quanto mais tempo o organismo consome em seu trabalho neguentrópico, mais tempo ele concede à entropia. Seu objetivo, pois, deverá ser o de obter o máximo rendimento neguentrópico possível no menor tempo” (p. 47). A solução que um organismo ou sistema encontra para garantir o máximo de rendimento no menor tempo possível é a adaptação, ou seja, a incorporação estrutural (ou funcional) de informações e a fixação destas num fundo comum de reconhecimento informacional (código). Este processo é semelhante àquele do sistema imunológico, onde o vírus (informação), após adentrar em nosso corpo, deixa aí registrado sua estrutura informativa que nosso organismo deverá considerar num reconhecimento posterior (por isso não pegamos a mesma gripe). A incorporação destas informações no sistema ou no organismo pode ser considerada “conhecimento”. Na raça humana, onde a linguagem articulada criou e desenvolveu suportes e formas de registro (escrita, símbolo, imagem, etc.) as informações passadas, registradas de modo a dar redundância ao trabalho e garantir a continuidade da espécie, permitiu vários “saltos” (trabalho aleatório) entre os quais se arrolam a religião, as artes, a filosofia a ciência. [2] Para Dantas, “O conhecimento é produto da informação, logo produto do trabalho. É trabalho passado, não deixando de ser, por isto, redundância que a informação reprocessa, enriquece, vivifica em conhecimento novo” (p. 50).
Em suma: informação gera trabalho (realização de atividades necessárias), porém à custa de um gasto energético que será, posteriormente, recuperado; o organismo, para maximizar seu rendimento – ou seja, conseguir o máximo de energia para realização de trabalho a partir do menor gasto possível no tempo – tende a “registrar” informacionalmente (memória) o menor percurso; tal registro pode ser denominado conhecimento, sendo este produto da informação.
Economia Política Marxiana reinterpretada – após apresentar o processo informacional de economia de tempo e maximização do rendimento sistêmico, Dantas retoma as categorias de “valor de uso” e “valor de troca” de Marx [3] para demonstrar a relação estreita que estas mantêm com o processo neguentrópico; a partir daí propõe pensar num “capital-informação”. Conforme a passagem de Marx em que este afirma o “fator subjetivo” do processo de trabalho, Dantas escreve: “As máquinas, os materiais são trabalho conservado (Marx também diz, ‘trabalho passado’ ou ‘trabalho morto’) que tendem à degradação entrópica. Mas podem recuperar certa capacidade anterior de fornecer trabalho (ainda que modificado e por que modificado), graças à informação que neles é introduzida por um agente externo – o trabalho vivo” (p. 53). Antes disso, Marx já havia alertado sobre a realização de trabalho vivo nos momentos em que o trabalho morto produzia eventos aleatórios (informação), ou seja, a redundância dirigida ao evento novo. O trabalho vivo, neste caso, presente em cada momento da produção de uma mercadoria, segundo Marx, acresce esta mesma mercadoria de uma “mais-valia” (conhecimento) que, nos termos aqui empregados, possui uma natureza informacional, o capital-informação: O valor que o trabalho vivo concreto acrescenta aos materiais e meios de trabalho submetidos à sua ação, é a informação que neles introduz (p.54). Podemos ler o conhecimento como o fator subjetivo do trabalho de que falou Marx, presente no momento em que a força de trabalho é empregada (trabalho redundante) e também, posteriormente, no trabalho aleatório (tempo morto), quando este produz um conhecimento novo (informação), por exemplo, quando se descobre uma solução capaz de maximixar ainda mais a produção com a diminuição correspondente dos gasto energéticos – informatização e mecanização do trabalho, desenvolvimento de softwares para automação, controle da produção e dos processos da empresa, logística do transporte e estoque, etc. “O valor de uso da força de trabalho consiste, não na sua eventual capacidade de transformar e empregar energia no processo de trabalho, mas na sua capacidade de nele introduzir informação. Donde o trabalho concreto, ou útil, sendo de natureza informacional, terá valor, na medida dos graus de aleatorieadade e redundância que processe e comunique, ao longo das atividades produtivas” (p. 54 – 55). Dantas lembra ainda que, em momento algum, Marx desconheceu tal fato, porém, à sua época, este conhecimento se incorporava no próprio trabalho vendido ao capitalista na forma de salário: “[...] o capitalista comprava (e sempre comprou) esse conhecimento (valor de uso da força de trabalho), embora pagasse apenas o custo de sua recomposição neguentrópica (valor de troca)” (p. 55). Entretanto, nos dias atuais – batizado por muitos como “capitalismo cognitivo” (AZAÏS et alii, 2001) ou capitalismo avançado do “capital-informação” (DANTAS, 1996; 1999), por entenderem se tratar de uma nova etapa do capital, um novo marco histórico – o conhecimento e a informação, como vimos, desempenham um papel importante na dinâmica produtiva/econômica e sua visibilidade se faz ainda maior do que na época de Marx. Isso se evidencia, sobretudo, nos processos de maximização da produção decorrente do estoque informacional acumulado (tecnológico) nos últimos anos, responsáveis pela técnica de replicação de produtos da chamada indústria cultural (livros, discos, CDs, DVDs, etc.): “Na produção industrial avançada, em uma mesma unidade de tempo, o conhecimento social incorporado em cada coletivo combinado de trabalho e, mesmo, em cada trabalhador individual, pode ser replicado milhares e milhares de vezes, a partir de um mesmo modelo inicial” (p. 56). Uma outra esfera em que informação e conhecimento irão desempenhar uma função importante na valorização do capital é o sistema de transporte ou, como prefere Marx, de comunicação. Aqui é de suma importância não apenas a produção, mas a circulação, diminuir o espaço e o tempo de consumo da mercadoria produzida: “‘Calcular, pesar, medir’ – este não é obviamente um trabalho de transformação material. Seu ‘efeito útil’ também não é movimento de um lugar para outro, no espaço. Seu ‘efeito útil’, podemos afirmar, é informação que, assim como a locomoção, será valor sem ser mercadoria” (p. 60). Conforme Marx, esta atividade produtiva gera valor sem modificar a matéria, já que sua “produtividade” é justamente o próprio serviço.
O trabalho informacional – a partir desta construção, além dos vários exemplos empregados, Dantas apresenta este novo “trabalho informacional” baseado no conhecimento e na informação proveniente do trabalho aleatório e redundante, base das inovações tecnológicas: “Descolado da transformação material imediata, por força da mais que secular mecanização, automação e automatização dos processos produtivos, o trabalho vivo tornou-se, por sua própria natureza, um processo combinado de trabalho informacional que se articula através de seus momentos aleatórios e redundantes” (p. 60). No capitalismo avançado, conforme Dantas, o trabalho informacional segue ampliando suas dimensões e reduzindo o tempo de circulação de suas “mercadorias”; trata-se do processo de valorização da informação (capital): D – M... I – D’. Aqui o trabalho morto e vivo realizam funções distintas já que o objetivo não será a transformação da matéria, mas apenas o seu uso: “Os materiais entram aí basicamente para serem apenas usados, não modificados, enquanto instrumentos e equipamentos, pelo trabalho vivo” (p. 63). No entanto, como a informação necessita sempre de um suporte material para existir, o capital, ao comandar o trabalho informacional, necessariamente convocará trabalho morto voltado à replicação material da “mercadoria” garantindo, assim, a realização do valor.  “De um modo ou de outro, marcas, relatórios de consultoria, programas de computador, fórmulas de remédio traduzem trabalho concreto, cujos suportes materiais (bens de consumo, documentos, disquetes, drágeas) são facilmente replicáveis pelo trabalho morto de máquinas, observado ou ajudado por algum trabalho vivo redundante. Difícil e, por isto, demorado será sempre obter algum conhecimento novo – trabalho aleatório. Replicá-lo – trabalho redundante – pode ser mais ou menos fácil, quanto mais se o tempo de replicação por unidade de produto for ínfimo” (p. 66). Para Dantas a principal diferença entre o capital-informação de nossa época e o capital-industrial da época de Marx é a variedade de “mercadorias” produzidas por trabalho aleatório concreto (na época de Marx estas mercadorias variavam pouco entre si, diferenciando-se apenas pelo tempo socialmente empregado para sua produção). Neste sentido, para acumular e crescer, o capital vem se arvorando num novo princípio de apropriação baseado não mais na troca, mas na “renda diferencial” (Marx), ou seja, o direito monopolístico sobre o uso de marcas, invenções, idéias, enfim, conhecimento. Este é o tema do próximo texto, a renda informacional.

A renda informacional
Neste texto, Dantas apresenta uma interessante reflexão sobre a “mercadoria” informacional e sua forma de rendimento ou valorização no contexto do capitalismo atual. Por mercadoria informacional nos referimos aos produtos da chamada indústria cultural (livros, discos, filmes, CDs, etc.), produzidas a partir da combinação de trabalho intelectual ou cognitivo (artístico, filosófico ou científico) e sua replicação, a partir de máquinas reprodutoras. Estes produtos, diferentemente das mercadorias tradicionais – chamadas por Dantas de mercadorias entrópicas, já que seu valor de uso encontra-se também no suporte que será destruído no ato do consumo (por exemplo, um bife) – apresentam um valor de uso neguentrópico (seu uso ou consumo não implica a destruição do suporte) que poderá ser replicado com pouco ou nenhum custo ao capital. Aqui, o trabalho efetivamente oneroso é a produção da matriz, ou seja, o modelo ou o original, a partir do qual este será replicado e vendido em larga escala no mercado ou “compartilhado” em redes de colaboração entre usuários (a exemplo de sites como 4shared). Daí a observação do autor, segundo a qual, a rentabilidade desta mercadoria se dá no monopólio de sua replicação, assegurada por meio de leis (copyrights) e efetivada no constante combate contra a pirataria (cópias sem autorização, quer dizer, sem o pagamento do direito autoral às empresas que detém este monopólio). Nesta exploração ou capitalização da informação/conhecimento, chama atenção o trabalho informacional (conforme vimos no texto anterior) investido sobre estes “materiais sígnicos”. Como frisamos, todo rendimento e, obviamente, todo trabalho vivo empregado volta-se ao esforço de produção, manipulação ou mesmo transformação destes materiais sígnicos. Aqui, o autor observa uma diferença importante em relação à produção de mercadorias tradicionais (àquelas de que falava Marx em sua época) e sua valorização no mercado, diferença esta expressa no valor de uso e valor de troca destas mercadorias.
Valor de uso e valor de troca – Dantas compara as mercadorias tradicionais (entrópicas) com as mercadorias informacionais (neguentrópicas) segundo seus valores de uso e de troca. Enquanto na mercadoria entrópica o valor de uso (do trabalho) acompanha seu trajeto até o consumidor final, expressando-se no seu “valor de troca”, ou seja, “no tempo de trabalho (social médio) efetivamente empregado na produção do valor de uso” (p. 7); na mercadoria neguentrópica o valor de uso constitui o conteúdo de uma mídia (livro, CD, DVD, etc.), porém não há nenhum valor de troca ali presente, algo dificilmente mensurável (porque morto, passado), haja vista sua natureza extremamente arbitrária e abstrata. Segundo Dantas, o produtor de um livro, uma peça musical ou cinematográfica é remunerado por um direito jurídico de autoria, o copyright: “É remunerado pela idéia, não pelo tempo, algo demorado, que consumiu no trabalho. Paga-se diretamente o seu valor de uso, a sua qualidade, a sua sensibilidade, a sua competência para se comunicar com os leitores; o seu desempenho enquanto escritor – ou enquanto músico, ou diretor e artista de cinema, ou ainda professor, ou publicitário, ou qualquer outro trabalhador sígnico. O que se remunera aqui é o trabalho concreto, não mais o trabalho abstrato” (p. 7).
Renda informacional – trata-se, conforme define Dantas, de uma remuneração ou riqueza “obtida do monopólio juridicamente assegurado sobre algum conhecimento submetido a um direito de propriedade” (p. 8). Tal conhecimento, valorado a partir de seu conteúdo (valor de uso), materializa-se em algum suporte, alguma mídia, onde registrará o produto do trabalho concreto de artistas, cientistas e demais trabalhadores intelectuais. O direito de adquirir este conhecimento, ou mesmo de usufruí-lo, constitui um direito de propriedade sobre bens ou recursos naturais, a exemplo do aluguel de um terreno para exploração (ou nos termos de Marx, a renda diferencial).
Evolução contraditória – o Dantas retoma aqui a famosa expressão marxista, conforme a qual o capitalismo constitui uma “contradição em processo”. A evolução tecnológica que permitiu a supressão do espaço e tempo, deu agilidade à circulação de mercadorias permitindo, inclusive, o controle e a logística de toda a produção, diminuindo concomitantemente os gastos supérfluos, é a mesma tecnologia que permite hoje corroer as rendas do capital: “Por meio dessas tecnologias, a livre replicação de qualquer conhecimento, uma vez divulgada a primeira matriz, atropela as imposições jurídicas e estatais que dão origem à renda informacional, reduzindo esta a zero” (p. 14). Este atropelamento de “imposições jurídicas e estatais” que origina e sustenta a renda informacional, segundo Dantas, é decorrente de um forte movimento a favor do fim do monopólio cognitivo. Ele cita, por exemplo, o movimento Common Creative, o software livre, além do posicionamento de diversos trabalhadores intelectuais (artistas, cientistas e filósofos) contra o monopólio da indústria cognitiva e seus mecanismos para controle e repressão da produção intelectual (bens da humanidade). O compartilhamento, segundo o autor, constitui uma tendência forte sendo, ao mesmo tempo, o cerne da questão comunicacional nos dias de hoje. Advém daí não apenas as esperanças da repartição da produção social, como também, das possibilidades de uma revolução.

Trabalho ‘creativo’ y producción de contenidos televisivos en el marco del capitalismo informacional contemporáneo: reflexiones sobre el caso argentino em los Dos Mil
Neste texto a autora propõe responder a seguinte pergunta: Qual a relação entre o trabalho humano (criativo) e o tipo específico de organização produtiva para a apropriação deste trabalho no contexto do capitalismo informacional contemporâneo?
Antes de responder a esta pergunta, entretanto, Roldán apresenta uma breve explanação sobre trabalho humano criativo, além das formas de organização produtiva, dando destaque específico à valorização e acumulação deste tipo de trabalho.
Trabalho Humano Criativo – Roldán irá definir trabalho humano como atividade “eminentemente cultural”, processo de “informação-comunicação” (p. 71) que nos distingue dos outros animais: “capacidade superior de processamento simbólico, de concreção do trabalho criativo” (p. 70). O Homem, e nenhum outro animal, é capaz de criar, ou seja, é dotado da capacidade de criação, “de produzir algo do nada, estabelecer, fundar, introduzir pela primeira vez” (p. 70). Esta capacidade de “criação” será observada (ou materializada), segundo a autora, nos conteúdos televisivos.
Organização Produtiva para Exploração do Trabalho Criativo – a autora distingue aqui duas formas de organização do trabalho: a coordenação das divisões do trabalho e a cooperação.
O primeiro é o mais tradicional e implica o controle da massa trabalhadora e de todo o processo de produção. Apoiado nos estudos de R. Edwards (1979) Roldán reitera a importância de tal controle quando se trata de uma produção em larga escala (industrial) com vista à exploração da força de trabalho e a valorização do capital: “[...] toda produção social que supera um determinado volume requer uma atividade de coordenação de seus elementos físicos e humanos sem a qual seria pouco provável sua concreção” (p. 74). Esta forma de organização do trabalho implica certo grau de coerção, o que para Edwards é necessário, porém problemático: “É necessário porque ‘é uma situação onde os trabalhadores diretos não controlam seu próprio processo de trabalho” [...] E é problemático porque, diferentemente de outras mercadorias utilizadas na produção, “[...] ‘a força de trabalho está sempre incorporada a seres humanos que tem seus próprios interesses e necessidades e que retém o poder de resistir para não serem tratados como mercadorias’” (p. 76) É justamente por esta dimensão problemática de que fala Edwards que, em geral, a fábrica se converte em um campo de batalha onde os empregadores tentam extrair o máximo de rendimento dos trabalhadores e estes, por sua vez, tentam resistir a estas imposições. Os trabalhadores podem fazer apelo aos sindicatos ou demais movimentos organizados, seja forma de greves ou boicotes, os quais não passam de manifestações deste conflito que, em última instância, podem barrar a produção criativa. Por isso, afirma Roldán, é preferível “a compra do produto do trabalho criativo e não da força de trabalho de trabalho criativo como tal” (p. 77).
O segundo tipo de organização da força de trabalho criativo é a cooperação, analisada aqui nos termos da “empresa-rede” (p. 78). Trata-se de uma forma de produção iniciada nos anos 90, sobretudo na Alemanha, e diferente das chamadas “indústrias culturais” – ou seja, não são completamente industriais, porém, como atesta a autora, mezzo industriais. Estas empresas (ou companhias) apresentam duas marcas distintivas: 1) “a produção de conteúdos em colaboração mediante redes de projetos” (p. 79); e 2) a subcontratação de profissionais produtores de conteúdos televisivos, agregadas nas chamadas “produtoras independentes”. Estas duas características atendem às demandas do mercado: oferecem uma grande variedade de produtos (e serviços) criativos, além de serem muito mais econômicas (haja vista que a produção de conteúdos de qualidade são extremamente custosos).
Para Roldán, tais redes de projetos são “temporalmente limitadas”, já que não há um compromisso dos mesmos trabalhadores de realizarem os vários serviços (campanhas publicitárias, vídeos institucionais, etc.) que irão aparecendo ao longo do tempo. Na verdade, o contrato de equipes se faz por experiências de colaboração anteriores, “o que permite que tais companhias independentes se reúnam por períodos relativamente curtos” (p. 79). Desse modo, não há o famoso “contrato de trabalho com carteira assinada”, os únicos “empregados permanentes” das produtoras televisivas são os produtores executivos: “Em troca, os provedores de serviços criativos e técnicos como roteiristas, diretores e cinegrafistas se empregam somente na base de projetos” (p. 80).
Trabalho de campo – Após estas explanações teóricas e conceituais, Roldán parte para a pesquisa empírica analisando, em nível mezzo e micro, a atuação de empresas argentinas produtoras de conteúdos televisivos na forma colaborativa. Dois conceitos irão dar subsídio à autora na observação do funcionamento destas empresas atuantes por redes de projetos: o “código de trabalho” e o “código laboral”. Enquanto o primeiro constitui a estrutura de “divisão do trabalho e as economias de tempo na organização produtiva” (p. 83), implicando a aptidão de “saber fazer”; o segundo “remete aos mecanismos de coordenação-cooperação e/ou controle das divisões do trabalho utilizadas pelas empresas e as relações de lutas associadas às dimensões de subjetividade do setor trabalhador envolvido” (p. 83); o código laboral, por sua vez, implica a atitude de “saber ser”.
No esquema montado pela autora para análise do processo de produção de um curta publicitário (ZZ) – onde atuam os agentes: Complexos Multimeios (AA), Canal de TV Satelital (BB’) e os produtores de conteúdos em colaboração (as Equipes criativas e os subcontratados) – os códigos de trabalho e laboral aparecem da seguinte forma:
Código de trabalho – na produção do curta publicitário, a autora observou a hierarquia do trabalho criativo e como esta hierarquia se manifesta na divisão do tempo de produção. Assim, para atender ao princípio de maximização da produtividade, a economia ou a racionalização de tempo aparecem na divisão da produção em três fases – pré-produção, produção e pós-produção – cada qual correspondendo a certo grau de competência criativa. A pré-produção irá consumir mais tempo (13 dias), sendo o trabalho criativo neste estrato “mais qualificado” (roteirização, desenho geral do curta, planejamento e logística dos materiais a serem utilizados). A produção irá demandar menos tempo (1 dia), sendo a fase da gravação, execução do roteiro, sem necessidade de um grande dispêndio criativo. Finalmente, a pós-produção (edição de imagens, musicalização, dublagem, realização de jungles, desenho das bandas sonoras, efeitos e locução), fase de finalização do produto, de concepção da matriz. Há dispêndio aqui de força de trabalho criativa (cerca de 2 dias). Nestas três fases, conforme Roldán, a pesquisa de campo evidenciou “a associação entre as divisões do trabalho e o maior ou menor grau de aleatoriedade e redundância da informação processada e suas economias de tempo” (p. 93).
Código laboral – Na observação de Roldán, a cada nova divisão de trabalho cria-se a necessidade de sua coordenação através de funções específica (gerentes, técnicos) que, por sua vez, adquirem o poder de controlar estas divisões. Os empregados “estáveis” ou sócios do Complexo Multimeio contratante acompanharam de perto a produção do curta, “condicionando os conteúdos do curta, através de uma variedade de mecanismos de controle” (p. 93.) A desconstrução deste modelo de produção, que envolve trabalho criativo segundo a autora, permitiu observar a maleabilidade intrínseca de distintos agentes implicados nos conceitos de “criação” e “trabalho criativo”, conforme foram expressos pela empresa “em termos de modelos de negócios ou pelos trabalhadores, em defesa de sua natureza intrínseca, seu valor de uso, associado às dimensões da subjetividade” (p. 93).
A produção baseada na coordenação-cooperação, neste caso, demonstrou o modo como a empresa capitalista organiza o potencial criativo do trabalho humano com o objetivo de valorização e acumulação. No entanto, este mesmo modelo, baseado porém na “cooperação entre cérebros”, possibilita a criação de novos horizontes num momento de reordenação da organização do trabalho mundial. Tal possibilidade é dada pela informação e conhecimento, trabalho passado e, todavia, privatizado por meios de patentes, direitos autorais, copyrights e outras licenças. Neste ponto Roldán retoma a discussão de Dantas acerca do compartilhamento da produção deste bem específico. “Daí a ênfase de seu enfoque na necessidade de estabelecer novos direitos de propriedade que permitam que a atividade cognitiva humana seja respeitada em sua dimensão libertadora e, simultaneamente, enquanto possibilidade de obtenção de benefícios desta capacidade”. (p. 95) Não obstante, ressalta a autora, existe ainda uma outra via, “outorgar uma renda universal ais produtores que não dependa do mercado, de modo a liberar o conhecimento para benefício coletivo” (p. 95).


[1] Este problema será retomado mais adiante em outro texto, “A renda informacional”, sobretudo no tópico “O bife e o livro”, em que o autor faz a distinção entre estas duas “mercadorias”; ao passo que a primeira de destrói no consumo, na reposição da energia necessária à produção de novas mercadorias; a segunda se mantém intacta, embora também produza “outras mercadorias”.
[2] Para Dantas, a redundância é apenas útil ao organismo na medida em que ela é orientada à informação nova; o organismo, por sua vez funciona permanentemente em processo dialético entre trabalho redundante e aleatório: “uma vez obtido o significado de um evento novo, ao trabalho aleatório segue-se, necessariamente, um trabalho redundante. São dois momentos de um mesmo processo, dois momentos que podem tanto se efetuar de modo quase imperceptível, ou indiferente, para o agente; quanto de modo claramente perceptível, ou distinguível pelo agente” (p. 52). Em Marx (apud DANTAS, 2006, p. 51), tal relação aparece da seguinte maneira: “[...] o valor do trabalho vivo se exprimirá naqueles momentos em que o trabalho morto revela ou produz algum evento aleatório; não quando opera ‘sem defeitos’”.
[3] Em linhas gerais podemos definir “valor de troca” como aquele valor que determinada mercadoria possui segundo suas qualidades físicas, mas, principalmente, pela sua utilidade (valor abstrato, qualitativo). “Valor de troca” constitui o valor de uma mercadoria calculada pelo tempo socialmente gasto para sua produção (é mais quantitativo que o valor de uso). É por meio do valor de troca que se pode cambiar mercadorias cujo uso são distintos: mesa por travesseiro, porco por cadeira, etc.

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