Introdução
A partir do conceito de espacialização, Mosco apresenta as diversas formas que o capital (indústrias/empresas) tem encontrado para expandir-se para além das fronteiras do espaço físico (territorial, sob jurisdição de Estado-nação) na busca de mercados. Inicialmente fala de duas formas possíveis de expansão: a concentração horizontal e a vertical. Ambas, no entanto, pressupõem a aquisição de empresas ou partes dela (pelo controle acionário) Posteriormente, o autor passa a analisar outras formas de associação como as alianças estratégicas, sistemas de co-produção via contrato, em que empresas (mesmo concorrentes) se unem para um objetivo comum. O prazo de validade destes acordos é efêmero, geralmente se esgota quando o produto é finalizado (um eletrodoméstico, uma cota determinada de filmes ou seriados, etc.) Nestes acordos não há necessidade de aquisição de uma empresa por outra; não obstante, o capital consegue atravessar as limitações espaciais.
Espacialização
Mosco inicia o texto apresentando a segunda entrada teórica de sua proposta para o estudo da Economia Política da Comunicação (EPC), qual seja, a espacialização ou “processo de superação dos constrangimentos do espaço e tempo na vida social” (p. 173). Embora a definição seja contemporânea, inicialmente sugerida por Henri Lefebvre, o problema não o é. Clássicos da economia política como Adam Smith e David Ricardo intuíram a espacialização nos seguintes termos: como medir o valor do espaço (terra) e do tempo de trabalho? De forma semelhante: qual a relação entre a extensão espacial do mercado e a divisão de trabalho? Embora esta e outras questões toquem no problema da espacialização é em Marx, no entanto, que ela se configura de modo mais aproximado às pretensões de Mosco. Em um trecho de “Grundrisse”, Marx fala da tendência do capitalismo em “aniquila o espaço com o tempo”, referindo-se ao poder do capital para usar e aperfeiçoar meios de transporte e de comunicação, diminuindo o tempo gasto nos deslocamentos de bens, pessoas e mensagens no espaço. Este encurtamento espaço-temporal, portanto, atenua o constrangimento da expansão do capital.
Teóricos recentes como Lash e Urry corrigiram a observação de Marx sugerindo que, em vez de aniquilar o espaço, o capital o transforma. [1] Nesse sentido, emergem trabalhos de geógrafos e sociólogos que problematizam mudanças estruturais trazidas pelos usos transformados do espaço e tempo. Uma vez que o conceito de espacialização permite estas aproximações, Mosco apresenta alguns autores que problematizam em direções parecidas: o primeiro é Antony Giddens (1990) e seu conceito do “distanciamento tempo-espaço” (p. 174), ou seja, o declínio de nossa dependência do tempo e do espaço e a capacidade elástica (expansão da disponibilidade) do tempo e do espaço como recursos, para aqueles que podem fazer uso deles. Em seguida, temos David Harvey e seu conceito de “compressão espaço-tempo” (p. 174) segundo o qual o mapa efetivo do mundo está encolhendo, havendo também quem possa tirar vantagens disso. Manuel Castells, por fim, chama nossa atenção para a diminuição da importância do espaço físico (o espaço dos lugares) e a crescente significação dos “espaços dos fluxos” (p. 174), afirmando que o mapa do mundo está sendo redesenhado conforme as fronteiras estabelecidas pelos fluxos de pessoas, bens, serviços e mensagens, criando o que Massey chama de uma “geometria do poder” (p. 174). Para Mosco, tais concepções são importantes (especialmente a de Castells) porque evidenciam a existência de um poder diferenciado nestes espaços, quando muitos teóricos da globalização tendem a ignorar ou entender como relação de mútua interdependência. A partir destes autores, Mosco sugere o interesse da EPC ao problema da espacialização, porém, na medida em que possa responder como esta “geometria do poder” constitui tais espaços e qual o papel da comunicação neste processo.
Comunicação e concentração: espaço como extensão institucional
Tradicionalmente, a EPC tem analisado a espacialização como extensão geográfica e institucional do poder corporativo (concentração) na indústria da comunicação, manifestada no crescimento das companhias, conforme sua área de abrangência no mercado, receita (equipamentos, vendas, lucros, aumento da força de trabalho e estoques), bem como as conseqüências sociais destes processos.
Segundo Mosco, uma simples forma de concentração ocorre quando uma empresa de media compra o controle acionário de outra do mesmo ramo, por exemplo, a compra do jornal Boston Globe por The New York Times. No entanto, embora a maioria dos pesquisadores analise estas atividades utilizando expressões como concentração horizontal ou vertical, ainda há um desacordo geral na área (epistemológico, teórico e conceitual) decorrente não apenas da influência destas corporações sobre centros de pesquisa – aquelas mais interessadas em “como comercializar produtos” do que “sobre a natureza e as implicações da concentração mediática” (p. 175) – como das mudanças rápidas vivenciadas por estas indústrias (sempre à frente da capacidade conceitual para apreendê-las)
De todo o modo, Mosco apresenta a diferença entre as formas de concentração corporativa, horizontal e a vertical. A concentração horizontal acontece quando uma companhia de um determinado ramo compra o interesse majoritário de outra companhia, não diretamente relacionada ao seu negócio original. O exemplo típico da concentração cruzada de media é a compra por uma firma de um setor tradicional (como a imprensa) de uma companhia do setor inovador, como uma estação de rádio ou televisão (p. 175 – 176). Entretanto, assegura Mosco, há concentração horizontal também quando uma firma de media compra uma companhia que não pertence aos negócios mediáticos ou quando uma firma de media é engolida por uma outra que não pertence a este ramo. Exemplo da primeira: a compra da companhia Hertz Rent Car pela RCA (Radio Corporation American); exemplo da segunda: a compra da RCA pela General Eletric Co. [2]
A concentração vertical descreve concentração de firmas dentro de um setor de negócios que estende o controle da companhia sobre todo o processo de produção (p. 176). Exemplos: MCA (maior produtora de filmes de Hollywood) compra o Cineplex-Odeon (maior companhia de distribuição de filmes); The New York Times compra fábricas de produção de papel em Quebec garantindo controle total da produção. Segundo Mosco, estas compras, “[...] dependendo da habilidade em administrar os fluxos entre os estágios da produção, a companhia tem a oportunidade de ganhar uma vantagem competitiva que a integração vertical oferece para racionalizar estas operações” (p. 177) Tais integrações são meios essenciais para reduzir as incertezas de mercado que crescem, sobretudo, quando estas ainda não controlam o circuito da produção. Neste sentido, Mosco apresenta o trabalho de Chantler sobre as estratégias administrativas em companhias de produção integrada, destacando o papel da comunicação como ferramenta central para a ligação entre empresas: “Rápidos e eficientes sistemas de comunicação são essenciais para uma companhia administrar a multiplicidade de trocas que fluem dentro de uma forma corporativa multi-divisional integrada, cujo sucesso depende de uma oportuna avaliação de relativa performance” (p. 177). Sobre o bom desempenho de companhias “multi-divisional”, Mosco destaca a habilidade da Time Warner que, a exemplo do bestseller “The bridges of Madison county” conseguiu reaproveitar, e obviamente lucrar, em todos os formatos (medias) possíveis: livro, filme e músicas do filme.
Além da Time Warner, a EPC tem dado atenção significativa à empresas como Microsoft, News Corp., IBM, Matsushita, Havas, Fininvest, Sony, Bell Canada e Rogers, todas praticantes da integração transnacional. Estas tem se transformado em conglomerados transnacionais que agora rivalizam, em tamanho e poder, com corporações de qualquer ramo industrial.
Todo este poder corporativo tem produzido reflexões como: qual papel dos Estados diante do poder destas empresas? Quem são estas empresas?
Para Mosco, a resposta para tais perguntas passa por uma reflexão sobre a desconexão destas companhias de sua base nacional (sua terra pátria). Assim, mais importante do que se perguntar “quem são” (Reich) seria melhor questionar (sob um ponto de vista societal) se tais companhias criam empregos; se estas produzem produtos e serviços socialmente úteis ou, ainda, se tais comportamentos podem ser regulados pelo interesse público.
A importância que as indústrias de comunicação assumem no cotidiano social de países e continentes – seja como instrumento de governo (ascensão e manutenção do poder), seja como atividade econômica em si – não foi algo desconsiderado pelo Estado. Ao contrário, e desde muito cedo, o Estado tem sido muito consciente acerca do potencial de tais indústrias, atuando diretamente nesta atividade com políticas regulatórias. “Embora isso varie de nação e circunstâncias históricas, o Estado geralmente ocupa um papel consideravelmente diferente no processo de transformação estrutural nas indústrias de comunicação. Isso se deve porque, ao contrário de muitos outros setores econômicos, a indústria da comunicação foi integrada às amplas funções do Estado por meio de alocações orçamentárias, omissão e regulação política” (p. 196). No entanto, como avalia Mosco, em alguns países, essa função regulatória vem diminuindo nos últimos anos: “Estados podem intervir para avaliações antitrustes e implicações no comércio, mas hoje é mais provável que eles tomem a liderança para incentivar acordos, ao invés de procurar regulá-los ou demandar uma participação” (p. 197).
Corporate Partnership & Strategic Alliances – Para Mosco, estas duas formas conglomeradas de produção (embora não tão novas) têm crescido e se destacado nos últimos anos. Trata-se de duas formas flexíveis de poder corporativo, evidenciado por joint-ventures (p. 193), co-produções, contratos de curta duração e acordos temporários para projetos específicos, que associam companhias (ou parte delas), inclusive concorrentes diretas. [3] “Em parte, isso se deve ao processo de espacialização que torna possível companhias reestruturarem operações internas e suas relações externas por um específico período de tempo, tal como a duração de um projeto, sem incorrer numa interrupção que regulavam estes acordos no passado. Se estes projetos obtém sucesso ou não, as companhias podem se reconstituir para cumprir seus negócios. Além disso, eles podem cooperar e competir ao mesmo tempo” (p. 192). Foram arranjos como estes que permitiram reunir companhias de mídia como a Time Warner e a francesa Canal+, gigantes da computação como IBM e Apple, e líderes do ramo das telecomunicações como AT&T, France Telecom e Deutsche Bundesposte. No caso da produção de conteúdos mediáticos entre a Time Warner e a Canal+, diz Mosco: “Em 1991, a Warner filmes, divisão da Time Warner, procurou um acordo de co-produção com o Canal+, uma das maiores cadeias de radiodifusão da Europa, para fazer vinte filmes, o primeiro fruto desta parceria foi o box-office JFK. Neste caso, Warner e Canal+ acordaram contratualmente uma aliança para um produto específico, vinte filmes, que não envolvia a troca de produtos ou qualquer compromisso além do que foi acordado”. No caso da aliança IBM e Apple, o objetivo foi “desenvolver componentes específicos de última geração, como o sistema de computação Power PC”. Outra aliança global importante, citada por Mosco, é aquela formada por AT&T, General Instruments, Philips, Thomson e Zenith, além de outras com o objetivo de desenvolver o sistema de TV de alta definição (High-Definition Television) (p. 193).
Para Mosco: “A maior razão para a recente onda de fusões e alianças mediaticas é avidez destas companhias em tirar vantagens sistemas convergentes sistemas de hardware e software, o que possibilitaria a eles controlar os maiores trechos de um circuito de produção, distribuição ou exibição” (p. 194). Por outro lado, Mosco alerta se haveria demanda doméstica suficiente capaz de justificar estes altos investimentos.
***
“Repensar a economia política inclui reconhecer que, embora seja importante o tamanho e a concentração de corporações, estes são somente um ponto de entrada para entender a transformação dos negócios da comunicação. Reestruturações globais oferecem numerosas oportunidades para expandir o controle das gormas conglomeradas para uma gama de alternativas flexíveis. A principal solicitação inclui o controle central de pontos do processo de produção, distribuição e troca (propriedade direta é um entre numerosas alternativas) e manter-se flexível para responder às mudanças tecnológicas e do mercado” (p. 198).
***
Outra vertente da economia política tem-se dedicado à análise da divisão internacional do trabalho e da internacionalização das forças produtivas (Sussman e Lent 1991). Uma consequência da espacialização é o desenvolvimento dos mercados globais de trabalho. As empresas podem agora aproveitar-se dos salários diferenciados, qualificação profissional e outras características importantes, em uma escala internacional. Muitas das primeiras pesquisas em economia política nesta área dedicaram-se a estudar a expansão da indústria de equipamentos de computação e informação (Sudeste Asiático) e de entrada de dados sobre negócios (Caribe) no Terceiro Mundo, para onde as companhias foram atraídas pelos baixos salários aliados a leis autoritárias (Heyzer 1986, Sussman 1984). Mais recentemente, o foco das pesquisas ampliou-se para abarcar o crescente interesse das corporações por regiões do mundo menos desenvolvidas, que tenham salários relativamente baixos mas com mão de obra qualificada, necessária em setores como o de desenvolvimento de software (Yourdon 1989), ou mesmo no mundo desenvolvido, onde um exemplo é o crescimento da produção estadunidense de filmes e vídeos em Toronto, Vancouver e outras partes do Canadá.
O crescimento da divisão internacional do trabalho em informação tem elevado o interesse pelo internacionalismo do trabalho no setor. Isso implica fazer uso dos meios de comunicação, inclusive das novas tecnologias, para estabelecer elos próximos entre as classes trabalhadoras e os interesses sindicais para além das fronteiras nacionais (Waterman 1990). Também aqui, como ocorre na maioria da literatura sobre comodificação do trabalho em informação, apenas recentemente começou-se a enfocar o que se constitui no tema central em outros campos da economia política. Assim, a economia política da informação necessita resistir às tendências perceptíveis na literatura de um pensamento essencialista sobre espacialização, através da adoção de uma perspectiva político-econômica do nacionalismo e outras formas de regionalismos. O mapa-mundi não está sendo redesenhado apenas para se adaptar às modificações no espaço dos fluxos globais: paralelamente à globalização, estamos assistindo ao ressurgimento dos nacionalismos e de localismos dentro dos nacionalismos, que contribuem e conflitam com as tendências globalizantes. Finalmente, estes processos nacionalistas e locais também devem ser estudados em face do socialismo, que historicamente é a principal alternativa à economia política capitalista global (Ahmad, 1992).
[1] Para Lash & Urry, em algum lugar se fazem presentes pessoas, produtos e mensagens. Este lugar, no entanto, está sofrendo significativas modificações a exemplo dos redirecionamentos da divisão internacional do trabalho.
[2] Há casos, segundo Mosco, do uso do controle majoritário de uma empresa sobre setores da comunicação (a ela pertencentes) para direcionar campanhas políticas, vide caso Silvio Berlusconi (Grupo Fininvest).
[3] Em “Trabalho ‘creativo’ y producción de contenidos televisivos em el marco del capitalismo informacional contemporâneo: reflexiones sobre el caso argentino em los Dos Mil”, Martha Roldán analisa de maneira detalhada este sistema de co-produção no mercado argentino. (In. SEL, Susana (coord.) Políticas de comunicación em el capitalismo contemporâneo, Buenos Aires: CLACSO, 2010).
Nenhum comentário:
Postar um comentário