Introdução
A Economia Política da Comunicação utiliza classe social como um ponto de entrada para examinar a estruturação. Na seção “classe social”, Mosco observa o valor do conceito de classe social, enquanto categoria, descrevendo como ele tem sido utilizado nas pesquisas comunicacionais. Ele reconhece também a importância da incorporação da dimensão relacional e formativa do conceito nas construções teóricas.
Estruturação
A terceira entrada teórica proposta por Mosco é a estruturação, tema amplamente desenvolvido pelo sociólogo Anthony Giddens, uma espécie de ponte teórica que interliga duas perspectivas: o estruturalismo e as teorias sobre a ação e o agenciamento social. Conforme Mosco, a estruturação “descreve o processo pelo qual as estruturas são constituídas pelo agenciamento humano, os quais, eles próprios, fornecem o medium de sua constituição” (p. 212). Esta abordagem possui antecedentes em Marx, especificamente em sua obra Os dezoito Brumários de Luiz Bonaparte, segundo o qual “as pessoas fazem a história, mas não sob condições por elas determinadas” (p. 212). A estruturação, neste sentido, constitui uma forma de saldar uma dívida com Marx dando a ele certa contemporaneidade... Observa-se, ainda, que tal definição encontra respaldo no pressuposto da constituição mútua da vida social (observada no início do livro, na epistemologia da EPC), ou seja, “a vida social é formada pela constituição mútua de estrutura e agencia social” (p. 212).
Para Mosco, um dos pontos fortes da teoria da estruturação (estrutura + ação) é a “proeminência dada à mudança social, vista aqui como processo ubíquo que descreve como estruturas são produzidas e reproduzidas por agentes humanos que agem por meio destas estruturas” (p. 213). A estruturação, neste caso, corrige os absolutismos do pensamento estruturalista, funcionalista e institucionalista, qual seja, o fato de estruturas serem entidades determinadas, plenamente formadas e, desde já, existentes. Por outro lado, propõe uma crítica à ausência de estrutura (uma lógica subjacente) na análise sobre a agência. Isso porque, como observa Mosco, as agências constituem estruturas e estas são constituídas pela ação humana (não as precede enquanto dado natural como no estruturalismo). Não obstante, as “estruturas fornecem um meio segundo o qual a agência opera” (p. 213). A pesquisa baseada na estruturação, portanto, auxilia a EPC a “equilibrar a tendência da análise político-econômica em concentrar-se nas estruturas, especialmente organizações governamentais e de negócios, incorporando as noções de agentes, processos e práticas sociais” (p. 213). Como veremos mais adiante, isso irá significar a ampliação de conceitos como classe social para além de seu sentido estrutural.
Agencia – um dos pontos centrais deste capítulo é idéia de agência. Para Mosco, este termo ocupa lugar especial na teoria da estruturação de Giddens sendo, no entanto, alvo de muitas críticas (sobretudo em Thompson) [1] pelo fato de ser muito amplo, possuir “muitos referentes”. [2] Para Mosco: “Agencia é um conceito fundamentalmente social que se refere ao indivíduo como ator social cujo comportamento é constituído na matriz de sua relação social e sua posição, incluindo classe, raça e gênero” (p. 215). Embora não negligencie a crítica dos filósofos da diferença (Laclau & Mouffe), para quem “o social não possui essência”, o conceito de agência tem contornado tal situação centrando-se nas análises do poder como elemento suturador do social, como algo que conforma e constitui a ação social. Esta centralidade sobre o poder, tem permitido também superar um problema metodológico da EPC, qual seja, ajustar-se à analise dos aspectos sociais em sua dupla dimensão: macro e micro.
Individuação – a tendência em analisar os agentes como atores sociais tem se confrontado com outra tendência, qual seja, a que analisa tais atores enquanto indivíduos. Tal tendência, denominada individuação, foi explorada principalmente por Poulantzas (1978) e se refere ao conjunto de práticas voltadas a “redefinir os atores sociais, o capital e o trabalho, particularmente, como sujeitos individuais, cujo valor advém dos direitos, expressões e exercícios individuais da responsabilidade política em votar, além da liberdade individual de consumo” (p. 215). Estas ações, segundo Mosco, tomadas em nome do Estado, são, no entanto, conduzidas segundo interesses de classe que isolam os indivíduos uns dos outros, de suas identidades sociais e daqueles que detém o poder de conduzir o processo de individuação: “Uma das tensões centrais no processo de estruturação é entre esta tendência social e a individualizante. Estruturação é, portanto, um ponto de entrada para examinar a constituição mútua, da estrutura e da agência, na economia política” (p. 215).
Classe social – na EPC, a compreensão da vida social (especialmente a agência, o processo e a prática social) se faz, geralmente, segundo a concepção estrutural de classe. Há, no entanto, outras dimensões da estruturação que não apenas complementam a análise de classe, como também se chocam com esta, a exemplo, do gênero, da raça e dos movimentos sociais voltados a questões de interesse público como o ambientalismo que transpassa a compreensão classista. A contribuição da teoria da estruturação, neste sentido, afirma a sociedade como conjunto de ações estruturantes iniciadas por agentes que formam mutuamente relações de classe, gênero, raça e movimentos sociais: “Segundo esta visão, a sociedade existe, se não como um todo sem-costura suturado, pelo menos como um campo sobre o qual vários processos mutuamente constituem relações sociais identificáveis”. Não obstante, o foco sobre as relações de classe, gênero, raça e movimentos sociais não sugere a existência de um elemento essencial segundo o qual os outros a ele se reduziriam; apenas sugere que estes constituem uma entrada possível para a análise da estruturação. Para Mosco, a teoria da estruturação dá grande contribuição na medida em que compreende classe, gênero, raça e hegemonia não apenas como simples categorias, mas propõe observá-las como meios de descrever “relações sociais de práticas comunicacionais”, incluindo como eles servem para organizar a agência de indivíduos que os produzem (p. 216).
Hegemonia – o processo de estruturação constrói a hegemonia, definida como qualquer idéia incontestável, própria do senso comum, um modo naturalizado de se pensar o mundo, englobando tudo, desde a cosmologia, passando pela ética até as práticas sociais do cotidiano. A hegemonia é uma rede viva de significados e valores que se constituem mutuamente, os quais são experienciados enquanto práticas banais do dia-a-dia sendo constantemente confirmados e reproduzidos.
Classe social
Classe social, conforme Mosco, constitui a expressão mais “batida” das ciências sociais. Sua origem remonta a uma gama de significados: o termo aparece em latim “classis” tanto para designar a divisão de propriedade na Roma antiga, como para se referir às várias formas de vaidade (Veblen) na Inglaterra do século XVI. A expressão se apresenta também como agrupamento (animal, vegetal, humano), alargando ainda mais seu significado, porém sem uma implicação específica. Sua aplicação específica na divisão social aparece somente na Revolução Industrial, ganhando sentido moderno (classe baixa, média e alta) e substituindo outras noções de divisão (como por propriedade na Roma antiga). Este processo foi acompanhado pela conscientização de que estas divisões são criadas, ou invés de serem simplesmente inerentes ao indivíduo ou à sociedade.
Os atuais debates sobre classe social têm-se preocupado em distingui-la em três dimensões: categorial, relacional ou formacional. [3]
Segundo Mosco, em sua dimensão categorial, classe social define uma categoria de pessoas que ocupam uma posição na sociedade pela virtude de sua situação econômica, medida pela sua riqueza e/ou seu rendimento. Em sua dimensão relacional, classe social se refere a uma conexão entre pessoas baseada na relação dos processos primários da produção e reprodução social: “Neste sentido, classe não é uma posição que adere a um indivíduo ou grupo, mas uma relação que existe, por exemplo, entre capital e a classe trabalhadora, baseada sobre a propriedade dos meios de produção. De acordo com a visão relacional, capital não existe sem a classe trabalhadora e vice-versa” (p. 216 – 217). Finalmente, a dimensão formacional entende classe como formação cujos indivíduos, por razões históricas, desenvolveram a consciência de sua situação e de sua organização. “Segundo essa visão, a classe existe, na medida em que as pessoas estão conscientes e agem conforme sua posição de classe, são uma classe para si, e não apenas uma classe em si” (p. 217).
Estas concepções sobre classe social, presente numa vasta literatura das ciências sociais, são utilizadas pela EPC, sobretudo, na perspectiva do poder destas classes dirigentes em produzir e reproduz seu controle sobre o mercado de comunicação, incluindo análise da composição destas classes, assim como as formas de integração e divisão na media elitista. Estudos desta natureza podem ser observados em: Mills (1956) e Clement (1975), que observam a relação entre a media e as elites do entretenimento nos EUA e no Canadá; Dreier (1982), Herman & Chomsky (1988) e H. Schiller (1981), que analisam a densa rede de conexões entre empresários da media e a elite, por meio de vários agentes (quadros corporativos, associações empresariais, organizações civis e clubes privados); por fim, Coulter (1992), Mosco (1982), Rideout (1993), D. Schiller (1981), observam a lógica das classes (class rules) segundo as quais estas realizam uma política de produção e regulação do setor. Para Mosco, tais estudos ajudam a entender o funcionamento (estrutura e processo) das classes, sobretudo, no que se refere à relação entre estas classes e a possibilidade de acesso a bens de consumo relacionados à comunicação e informação. Sobre isso, Mosco destaca o trabalho de Golding & Murdock (1991) os quais apontam uma estreita relação entre a receita familiar (indicadora da classe social) e a propriedade de bens de comunicação, como TV, rádio, telefone, computador, etc. [4]
Mosco lembra também a influência ou o poder das classes durante as mudanças nas políticas de comunicação norte-americana durante os anos 80. Fusões, criação de grandes corporações de media, corte de programas jornalísticos da programação, subsídio do Estado para provimento de produtos comunicativo-informacionais, além de muitos outros eventos, resultaram do choque entre produtores (elite) e consumidores. [5]
Tais transformações no mercado de comunicação evidenciaram mudanças substanciais no âmbito do trabalho deste setor. Mesmo aí, o poder das classes se faz presente, ratificando, de um lado, trabalhadores altamente qualificados e, de outro, trabalhadores despreparados para o mundo da auto-estrada da informação (em decorrência do difícil acesso aos sistemas de informação e conhecimento). Muitos estudos, segundo Mosco, tem se preocupado em analisar tal situação que, nos últimos anos, tem se agravado ainda mais em decorrência da eliminação de postos de trabalhos (pela automação de tarefas e funções) e da implantação de um rígido sistema de controle e administração dos processos produtivos. Sobre este primeiro, Mosco exemplifica a mudança ocorrida no mundo do trabalho das indústrias gráfica e editoriais (jornais e revistas): “[Estas] experienciaram ondas de mudanças tecnológicas ao longo dos anos, mas a introdução de métodos de produção controlada-computadorizada foi sem precedentes em seu impacto sobre ambas as categorias de trabalhadores de “colarinho azul” e “colarinho branco”. Entre os primeiros, a aplicação de composição computadorizada eliminou o trabalho de compositores. O sistema de paginação deu muita responsabilidade para o designer e os editores de layout das páginas que buscam, com isso, gastar menos tempo formatando histórias e mais tempo aprendendo a fazer caber estas histórias na página. As mudanças tecnológicas também trouxeram cortes na transmissão de notícias, onde a portabilidade e a automação reduziram o número de pessoas designadas a produzir histórias” (p. 226). Em relação à gestão de trabalhadores, Mosco lembra o conceito de “poder capilar” de Michel Foucault, uma estratégia de controle não físico, porém coercitivo, extremamente eficiente, voltada à maximização do capital. “Por exemplo, a companhia aérea TWA monitora seus trabalhadores semanalmente e mensalmente através de cartões que constam o tempo que estes gastam no telefone além da avaliação dos supervisores sobre estas conversas” (p. 227).
Para Mosco, tais estudos são importantes porque enfatizam não apenas a influência das classes sobre os processos de produção, distribuição e consumo de comunicação na sociedade, como também o modo como isso acontece. Embora o autor afirme a predominância de estudos que usam uma noção categorial do conceito de classe social (interessados, sobretudo em descrever padrões de comportamento em cada classe), estes, ao menos, não deixam de apresentar-se como uma crítica à visão liberal pluralista. “Estes trabalhos são essenciais para a crítica da visão pluralista liberal que nega ou ignora a existência de uma estrutura de classe e cuja visão de produção, circulação e consumo de bens mediáticos é resultado natural de um mercado democrático” (p. 227)
Como Mosco comentou no início, compreender classe social como categoria não implica, de maneira alguma, relegar suas outras dimensões (relacional, fomacional), sendo, aliás, muito produtivo a articulação destas entre si [6] “A análise das classes na comunicação se beneficiaria colocando grande peso sobre a concepção relacional e formacional. [...] voltando-se às conexões entre classe social e outros elementos do processo de estruturação, particularmente, o gênero, a raça e aqueles movimentos sociais que organizam as energias de resistência para o poder da classe (e outras formas de poder). Finamente, necessitaria uma estreita ligação para a construção de hegemonia, ou a constituição social do senso comum” (p. 228). Segundo Mosco, “Na prática real de pesquisa, abordagens categorial e relacional coincidem porque não se pode falar de categoria sem alguma referência às diferentes formas de categoria e vice-versa. [...] De maneira similar, abordagens relacionais necessariamente se referem às categorias cujas diferentes relações conectam ou dividem” (p. 228). Tais análises não estariam completas se não trabalhassem de maneira conjunta, quer dizer, articulando todas estas dimensões.
Por fim, Mosco comenta uma abordagem interessante de Mattelart sobre as classes subalternas que se organizam entre si e produzem seus próprios sistemas de resistência (mesmo, contraditoriamente, trabalhando ao lado de ideais hegemônicos). Segundo Mattelart, “[...] essas pessoas constroem seus próprios meios de comunicação, desenvolvem suas próprias linguagens, seu senso comum e sua hegemonia popular a qual, embora constituída juntamente (e em conflito) com as classes dominantes, todavia, fornecem razões diferentes para ação social, incluindo a luta de classes” (p. 230). [7]
Gênero
As discussões sobre classe social acabam, eventualmente, apresentando o problema do gênero, segundo Mosco, essencial no relacionamento entre a comunicação e o processo de estruturação. Segundo o autor, na EPC, a questão do gênero tem se apresentado principalmente no âmbito da produção mediatica, no problema da divisão do mundo do trabalho com base no gênero. “Por exemplo, pesquisas em economia política sobre as tecnologias de informação e a divisão internacional do trabalho descrevem a dupla opressão sofrida pelas trabalhadoras nas indústrias de microeletrônica, onde elas experienciam os mais baixos salários e péssimas condições de trabalho” (p. 230 – 231).
Embora muitos afirmem certa negligência (e até relutância) do tema na EPC, Mosco demonstra a importância dele para a área, bem como a necessidade de se buscar aproximações teóricas (compatibilidade) entre ambas: “[...] o objetivo não é buscar um lugar para o gênero ou, especificamente, para a mulher, na análise da economia política. [...] o objetivo para a economia política é determinar como melhor teorizar o gênero nestas análises, por exemplo, sugerir áreas de acordo e, onde estas não são possíveis, identificar termos e zonas de compromisso entre estes dois quadros de referência” (p. 231). Na busca por esta compatibilidade ou acordo teórico, o feminismo tem dado grandes contribuições; além disso, a EPC tem arrolado ao gênero problemas relacionados às classes sociais, porém dirigidas às desigualdades de classe refletidas na desigualdade de gênero, aos mecanismos de reprodução social (preconceitos relacionados ao gênero, assim como ideologias classe) ou à constituição mútua da sociedade (capitalista e patriarcal).
Segundo Mosco, as perspectivas voltadas às desigualdades de classe e de gênero enfatizam tanto as diferenças no mundo do trabalho quanto nas formas de consumo ou acesso aos bens de comunicação: “Esse ponto de vista considera, por exemplo, como a divisão internacional do trabalho, definido nos termos fordismo, pós-fordismo ou neo-fordismo, criou hierarquias de trabalho que colocou a mulher predominantemente na posição mais baixa, um exército de reserva com baixa qualificação, trabalhadores dependente e flexíveis [...] Além disso, tanto as análises consideram as conseqüências do acesso à media como situa relações de gênero no sistema de comunicação, que estratifica a oportunidade de acesso das classes” (p. 232). Segundo Mosco, as análises de classes têm demonstrado uma diminuição do acesso a bens como telecomunicação e tecnologia de informações entre os pobres. Entre as mulheres e homens, esta desproporção se mantém, “conduzindo as mulheres a uma posição marginal no acesso de media” (p. 232).
No que se refere à perspectiva da reprodução social, a EPC tem descentralizado sua atenção sobre a produção, voltando-se ao cotidiano, às formas de relacionamento social – ao invés do trabalho, a casa, a família e a sexualidade. “Embora operando sobre um território ocupado pelas análises de gênero, a economia política assume um importante papel, já que as análises sobre reprodução social tendem a examinar as conexões funcionais entre a reprodução do capitalismo, a estrutura de classe e a reprodução de relações sociais em casa ou na família” (p. 232). A media, segundo Mosco, assume aqui um importante papel de ligação entre a casa e o sistema de produção e consumo repondo as energias de trabalhadores e conectando pessoas através de redes de consumo que engrossam a cada onda de novas medias e tecnologias de informação. “Para completar o ciclo, necessidades, interesses e desejos emergem do processo de reprodução social tornando-se um recurso da programação de entretenimento e informação, os quais são usados como veículos diretos indiretos para promover o consumo” (p. 232). Por outro lado, assegura Mosco, reconhece-se nestes novos arranjos e reconstituições formas de resistência e luta. Parafraseando Adam Smith e Marx, o “capitalismo tende a mover em diferentes direções em relação ao gênero (assim como, vis-à-vis à raça e à etnia)” (p. 232) ”[...] capitalismo cria conflitos através de uma gama de relações sociais, incluindo classe e gênero” (p. 233). Portanto, embora o capitalismo continue empurrando as mulheres para condições precárias de trabalho, ele permite a associação delas em formas de organização voltado à luta por melhorias. “[...] o processo de reprodução é contestado e as fontes de resistência social ao capitalismo são multiplicadas, porém dispersas. Classe e gênero tornam-se motivos para oposições e resistências agindo, às vezes, congruentemente, como quando as operadoras de telefone, sobretudo mulheres, organizam-se em sindicatos e exigem melhores salários e condições de trabalho” (p. 233).
Por fim, a perspectiva da constituição mútua da sociedade, ao mesmo tempo capitalista e patriarcal; ao mesmo tempo reiterando as desigualdades de classe e de gênero. “Segundo esta posição (Hartmann, 1979) a sociedade é patriarcal, ou seja, dividida por gênero, e capitalista, dividida por classes. Estas co-existem independentemente no campo social, às vezes interagem, às vezes são constituídos mutuamente” (p. 233). Para Mosco, esta perspectiva dual da sociedade (patriarcado e capitalista) tem a vantagem de fornecer um amplo campo de análises o que permite concentrar-se sobre um fundamento sem abrir mão de outro; no entanto, possui o inconveniente de toda abordagem sobre constituição mútua, qual seja, a ênfase num aspecto ou noutro: patriarcado ou capitalismo?
Estas abordagens sugerem modos de se pensar a questão do gênero no conjunto teórico da EPC. Aqui, novamente, Mosco reitera as vantagens e desvantagens da dimensão categorial e formacional referidas ao gênero: Categorial: tende a prestar menos atenção ao processo de formação social, especificamente, como as pessoas, de maneira, ativa, constituem-se em gênero numa relação com os meios massivos de comunicação, com a classe social e uma variedade de outras escolhas (por exemplo, heterossexualidade, homossexualidade); Formacional: concentra-se sobre o processo de criação de uma identidade voltada ao gênero por meio de uma formação mútua da estrutura social, os meios de comunicação, o produto da comunicação e a agência de indivíduos que agem como seres sociais em relação.
Raça
O entendimento do processo de estruturação inclui também a influência da raça enquanto categoria definidora de estratificações e desigualdades sociais. Segundo Mosco, “não é necessário focalizar a África do Sul para reconhecer que as divisões raciais são as constituintes principais das múltiplas hierarquias da economia política global contemporânea e que as raças, tanto como categoria quanto como relação social, contribui fundamentalmente para o acesso individual e coletivo aos recursos nacionais e globais, incluindo comunicação, media e tecnologia informacional” (p. 236). Assim como foi observado na classe e no gênero, a raça também tem definido não só modos diferentes de acesso, apropriação e controle dos meios de produção (comunicação); também, as diferenças raciais marcam desigualdades no acesso a empregos nas indústrias de media e informação e a pouca representatividade destas minorias em programas de TV, filmes, seriados, etc. Tabor (1991), por exemplo, analisou a histórica tolerância racial nas transmissões norte-americanas, incluindo numerosos casos que demonstram como um órgão regulador como Comissão Federal de Comunicação permitiu o racismo na televisão nos anos 60.
Sobre o acesso desigual aos meios de comunicação, o governo norte-americano tem feito algumas medidas capazes de suprir esta lacuna, sobretudo em decorrência das crescentes pressões de grupos hispânicos e negros (em geral pobres) no que se refere ao acesso a recursos básicos como o telefone.
Mosco acrescenta ainda outros estudos que ressaltam a importância da raça como categoria importante na divisão internacional do trabalho (juntamente com a classe e o gênero), destacando o estudo de Sivanandan (1989), que considera de vital importância a raça na divisão de habilidades no trabalho em indústrias voltadas à produção de informação e bens micro-eletrônicos.
Embora existam poucos estudos relacionados à raça (tanto em sua dimensão relacional como formacional) e os meios de comunicação, estes são importantes e tem se direcionado a questões prementes: “Estes [estudos] demonstram que não se pode compreender a estruturação da raça na media sem considerar como elas operam; seja por meio de lutas destas minorias para terem acesso aos empregos na indústria mediática, seja por meio da criação de alternativas na media que refletem as experiências vividas pelas minorias ou por meio de pressões voltadas à mudança na representação destas minorias em programas de informação e entretenimento” (p. 237 – 238). [1] Para Thompson, Giddens dá atenção demais à agência conduzindo-nos a uma concepção de “estrutura limitada a um jogo de regras operatórias e uma reserva de recursos, cujos agentes sociais as utilizam para saciar suas necessidades” (p. 213).
[2] Sob o conceito de “regras sociais” podemos identificar micro-operações: regras morais, regras burocráticas, regras de etiquetas, regras gramaticais, etc.
[3] Mosco lembra que estas dimensões podem co-existir num mesmo trabalho. Ele destaca a obra de E. P. Thompson (1965) que compreende classe social em sua dimensão relacional e formacional.
[4] Conforme Mosco, “As características da classe destas sociedades está refletida nos padrões de acesso e uso de media. [...] há uma nítida correspondência entre rendimento e a probabilidade de um computador pessoal em casa” (p. 219).
[5] Mais informações nos exemplos e nos quadros ilustrativos compreendidos entre as páginas 219 – 224.
[6] Segundo Mosco “Não haveria classe dominante sem a classe trabalhadora. O que conta principalmente é o que define as relações entre as classes, por exemplo, propriedade e controle sobre os meios de produção, reprodução e comunicação, etc. A relação pode ser caracterizada de inúmeras formas, incluindo harmonia, quando as classes estão integradas e mutuamente aceitam a relação de classe; separação, quando as classes estão amplamente excluídas uma das outras; e conflito ou luta, quando as relações de classes estão constantemente em atrito” (p. 228).
[7] Estas motivações são as mesmas que embasam os conhecidos Estudos Culturais britânicos e também sua versão latino-americana, os Estudos de Recepção.
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