sábado, 3 de setembro de 2011

Apontamentos do texto de Robert W. McCHESNEY. The political economy of communication and the future of the field. Media, Culture and Society. London: Sage, 2000, v. 22, abr. 109-116.


Introdução
A nosso ver, o texto apresenta dois problemas fundamentais: 1) o dilema epistemológico da Comunicação (ou dos Estudos de Mídia) nos Estados Unidos, explicitado no atual estado de arte de suas pesquisas e; 2) o papel estratégico da disciplina “Economia Política da Comunicação” na estruturação deste campo.
Em relação à epistemologia comunicacional, McChesney argumenta a falta de interesse, por parte dos centros (departamentos) de estudos norte-americanos, pelas pesquisas críticas e interdisciplinares (pouco lucrativas). Estas pesquisas críticas e interdisciplinares, segundo o autor, têm caracterizado os bons trabalhos em Comunicação nos Estados Unidos. No entanto, sob pressão das agências de fomento, tais pesquisas se vêem obrigadas, senão a abandonar esta vertente, ao menos fechar-se disciplinarmente, o que explica a predominância de estudos empíricos e quantitativos (sobretudo dedicados ao comportamento humano). Estes sim, considerados úteis ou com capacidade de gerar algum retorno; constituem a famosa “mainstream”.
Sobre o segundo ponto, McChesney concebe a Economia Política da Comunicação como pedra-angular dos estudos comunicacionais, não apenas pelo conhecimento (em termos de teoria, conceito e método) que a Economia Política pode oferecer ao campo maior da Comunicação (sobretudo como modelo de rigor e profundidade analítica), mas pela atitude (política) sobressalente do pesquisador (como intelectual público) diante das atuais circunstâncias em que a sociedade se encontra. Ao permear os estudos comunicacionais em geral, os saberes da economia política podem dar novo ânimo aos pesquisadores iniciantes da Comunicação, seja como combustível para intervenções (e transformações) sociais contra o monopólio mediático, seja como inspiração para pesquisas inovadoras, capazes de renovar (epistemologicamente) o campo.

O atual estado de arte das pesquisas comunicacionais norte-americanas
Na fala de McChesney fica evidente o objeto de estudos da Economia Política da Comunicação, grosso modo, tentar responder “[...] como fatores econômicos influenciam relações políticas e sociais” ou, mais precisamente, como a sociedade capitalista e os sistemas de media comercial se articulam e estruturam modelos de dominação através do globo (p. 110). Neste aspecto, o autor afirma que os resultados destas pesquisas despertam pouco ou nenhum interesse para as “agências universitárias”, por demais comprometidas com a formação de profissionais voltados à indústria da comunicação. Esta formação crítica atrapalharia praxiologicamente tal indústria criando uma massa de profissionais voltados não à maximização da produção, circulação e consumo de bens culturais, mas à contestação destas, sendo, portanto, uma grande pedra no sapato das poderosas empresas.
Antes disso, McChesney historiciza a vertente da Economia Política da Comunicação, sobretudo nos países de língua inglesa (EUA e Inglaterra). Tais estudos iniciam no pós-guerra, passa pelo período de ascensão e grande desenvolvimento (teórico-epistemológico) entre os anos 70 e começo dos 80 e, finalmente, chega à sua estagnação e marginalização em meados de 80 até o final dos 90. Em seu auge, segundo McChesney, a Economia Política da Comunicação ocupava o “coração” dos estudos comunicacionais norte-americanos, lugar que o autor pretende ver ocupado num futuro próximo. Nesta trajetória, McChesney cita figuras importantes da disciplina como Dallas Smythe e Herbert Schiller e suas generosas contribuições ao campo, [1] além de outras vertentes comunicacionais – como os Estudos Culturais, a Economia da Media e os Estudos Políticos da Media (p. 110) – que, como McChesney lembra, deixam de fora questões prementes como a estruturação de formas institucionais determinantes (o papel do Estado e do Mercado) sobre o sujeito, a existência de classes sociais desiguais, as formações históricas e os aspectos econômico-sociais destas formações, etc. Cada uma destas vertentes negligenciará uma ou mais destas questões, segundo o autor, sendo a Economia Política da Comunicação um instrumental teórico importante já que consegue abarcá-las de alguma forma.
Depois de uma breve crítica sobre os fundamentos teóricos destas vertentes comunicacionais, McChesney faz uma análise dos centros de pesquisas norte-americanos dedicados às análises sociais. Ele constata a ênfase dada às ciências tradicionais como Sociologia, Psicologia, etc. e ao pouco espaço dedicado à Comunicação. Ainda, ele chama atenção para o papel que a comunicação ocupa nos dias atuais, como centro estruturador das relações sociais e comerciais, importância esta que os teóricos da mainstream da teoria social preferem não ver. Os argumentos contrários à construção de uma estrutura institucional forte e coesa para a Comunicação vão desde a indisciplina do campo (haja vista sua característica interdisciplinar e seu escopo) à pouca noção sobre a importância do problema comunicacional na atualidade. Além disso, o pouco espaço dedicado à pesquisa em Comunicação, continua McChesney, é ainda mal aproveitado, com pesquisas de baixa qualidade.
Um ponto interessante enfatizado por McChesney diz respeito à estrutura institucional presente nos campi norte americanos que acaba, inclusive, explicando a marginalização da comunicação e, mais ainda, de sua abordagem política-econômica. Além da existência de uma velada associação entre empresas de comunicação com as agencias de fomento, como frisamos, há ainda o problema das relações de poder estruturadas no âmbito da academia, as quais deixam de lado as abordagens críticas, como dissemos, pouco úteis à visão utilitarista da mainstream. Tais relações de poder constituem sistemas sociais autônomos no interior da organização (no caso a academia) cuja lógica (ou estrutura) irá decidir, em última instância, a epistemologia do campo. [2]
Para McChesney, as universidades são tão pouco “meritocráticas”. É muito curioso (e também paradoxal), neste sentido, que a ameaça ao crescimento e/ou sobrevivência do campo venha precisamente num momento histórico em que a comunicação é considerada central, definidora das características das economias políticas nacional e global, além dos contornos da cultura. (p. 111)

A contribuição da disciplina Economia Política da Comunicação para o campo maior da Comunicação
Interessante observar a postura de McChesney diante da relação entre Comunicação e Democracia. Para o autor, é somente num ambiente verdadeiramente democrático que se pode estabelecer as condições para a produção de pesquisas comunicacionais de qualidade. Nestas condições há liberdade acadêmica e o pesquisador não precisaria se preocupar com as pressões institucionais e empresariais anteriormente apontadas.
Para McChesney, é pouco provável que a renovação da Comunicação (e também das ciências sociais como um todo) venha de campos do conhecimento tradicionais, já que estes se encontram sob forte cerco epistemológico, com uma estrutura institucional já bastante consolidada. A comunicação, por sua vez, embora esteja sob forte “ameaça” possui o componente interdisciplinar como algo intrínseco constituindo, portanto, as esperanças da renovação. É justamente neste ponto que McChesney tornará pertinente a contribuição da Economia Política da Comunicação, já que sua estrutura teórica permite não apenas uma constante vigilância epistemológica (haja vista o permanente processo dialético implicado), mas também o surgimento de um novo pesquisador, denominado “intelectual público”.
O intelectual público é contextualizado aqui no interior das exigências das boas pesquisas comunicacionais (democracia, liberdade na pesquisa, não intervenção das empresas e agências de fomento e controle, etc.) Este intelectual é figura conhecida no pensamento gramsciano (filosofia da práxis). Trata-se de um acadêmico ou um intelectual, como todos os outros, porém não isolado dos grandes problemas sociais. A grande diferença é que o intelectual público é, acima de tudo, um sujeito político que, como o próprio nome diz, trabalha para a sociedade, está a serviço do interesse público e não de empresas ou corporações privadas (ou mesmo de uma determinada Universidade). Como intelectual é capaz de intervir sobre o real por meio de discursos influentes sobre a sociedade e seus mecanismos de exclusão e dominação. Ele dialoga na esfera pública e, segundo um entendimento racional, busca caminhos e soluções para transformações nas diversas esferas da realidade. Tem em mente o combate contra as formas de dominação que despreza o ser humano ou que o limita em suas infinitas capacidades.

Questões para debate
Indisciplina, pressões econômicas e institucionais ou clareza do objeto? – O texto coloca em discussão a questão da indisciplina e das pressões das “university administrator” – que para nosso contexto podemos entender como as agências de fomento à pesquisa – as quais acabam, em última instância, definindo os parâmetros e a dinâmica do campo da Comunicação. Porém, o texto pouco fala sobre o problema da clareza do objeto comunicacional ou já o concebe como algo dado, qual seja, os meios técnicos de comunicação: a media eletrônica. Nos tempos atuais, sobretudo nas vertentes das teorias e epistemologia da Comunicação, tem-se criticado esta abordagem que concebe a comunicação como instrumento e não como objeto em si. Neste caso, não estaríamos mais próximos da Economia Política (dos media), e de campos como a Sociologia e Economia, do que verdadeiramente da Comunicação? Não estaríamos legitimando mais estes campos do que verdadeiramente tentando construir um autônomo?
A CAPES e a epistemologia comunicacional – Em inúmeras ocasiões, Muniz Sodré tem reiterado que a “grande epistemóloga” do campo da Comunicação no Brasil é a CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior), uma vez que é ela quem define os parâmetros e as exigências que os programas devem seguir para continuarem seus trabalhos. É ela também quem financia as grandes pesquisas brasileiras no âmbito da academia e, por meio de seus sistemas de consagração (curriculum lattes, congressos e eventos importantes, revistas e livros equalizados, etc.) estrutura o habitus da comunicação. O panorama apresentado por McChesney é, certamente, de grande valor para compreendermos não apenas as estruturas sociais (econômicas e institucionais) que tem legitimado a produção de conhecimento em nossa área, mas também o que se espera de nós enquanto pesquisadores.


[1] McChesney cita outros como George Gerbner, Harold Lazarsfeld e Harold Lasswell, mas apenas a título de consideração do crescimento e expansão do campo pela via da interdisciplinariedade.
[2] Esta estrutura é o que Pierre Bourdieu chamou, em sua lógica autônoma dos campos sociais, de habitus. Desdobra-se daí, segundo Bourdieu, os sistemas de consagração, classificação e, portanto, os contornos epistemológicos do campo.

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